Beija eu, beija eu, beija eu, me beija...


Não. Eu não vou falar da lindíssima música de Marisa Monte, a qual encabeça esse texto. Também não vou falar de como o beijo é bom, dando múltiplos conceitos sobre ele ou várias formas de fazê-lo. Acho que sabemos beijar o bastante. Também não vou falar sobre amor, carinho, respeito, ou amizade. Na verdade, é o inverso disso. Quando vi as polêmicas em torno do beijo entre o jogador Sheik do Corinthians e o seu amigo, percebi como a nossa sociedade é carente e ignorante. Carente de amor, de carinho de respeito e de amizade. Mas, por outro lado, ignorante, pois ainda confunde essas palavras em prol de um fanatismo idiota, o qual brutaliza os indivíduos igualando-os a muitos animais irracionais.

Tudo isso porque existe uma falsa ideia de que os homossexuais não existem no mundo futebolístico. Ou, que não há torcedores, técnicos e, principalmente jogadores gays. Quem disse isso? Quem inventou esse senso comum? Como ele se perpetua entre nós, em tempos tão "modernos"? As respostas para tais indagações residem no machismo que, volta e meia, ressurge na sociedade. É por causa dessa cultura do macho, a qual polariza a educação de meninos e menina desde cedo, dizendo que o que é de homem e o que é de mulher. "Meninos jogam bola, meninas brincam de boneca", "Meninas se vestem de rosa, meninos de azul" Esses ditames ridículos são os culpados pela formação distorcida de muitos adultos, os quais não conseguem romper esse circulo vicioso e quando o fazem são rapidamente tachados de maricas ou sapatão.

Nesse sentido, é coisa de homem também não demonstrar emoções em público. Chorar está fora de cogitação. Isso mostra fraqueza, feminilidade, características essas restritas ao universo mulheril. Beijar então, não pensar. O beijo entre pais e filhos, por exemplo, pode acabar em tragédia, como a que aconteceu no ano passado quando o pai caminhava com o seu filho de braços dados e foi "confundido" como um casal de homossexuais. Resultado, foram agredidos pelos "Machões" que queriam manter a integridade das suas virilhas preservadas. Se entre parentes próximos casos de violência acontecem dessa forma, imagine entre amigos, colegas ou homossexuais de fato. No primeiro caso, ser amigo, sobretudo se forem dois homens, remete a nutrir certa distância, pouco contato corporal, abraços imprecisos e outras coisas do tipo.

Beijar, nestes casos, não dá, principalmente se for em público. Há o risco de ser xingado, ou violentado por essa sociedade que tolera apenas que homens se cumprimentem com um singelo aperto de mão. Com as mulheres já acontece o contrário. Elas podem se abraçar em público, se beijar e até a andar de braços dados, já que para o deleite dos fornicadores, isso soa até meio sexy, pois boa parte da sociedade nutre o doentio fetiche de ver duas mulheres se acariciando. Toda essa cultura é fruto, entre tantas coisas, da desinformação e da imposição de modelos de conduta pautados no gênero de cada indivíduo. Acontece que nem todos seguem isso à risca e, por isso, são impiedosamente crucificados pela nossa recalcada sociedade. Foi o que aconteceu com o jogado Sheik do Corinthians. Se ele fosse uma pessoa "comum", não famosa, possivelmente estaria morto numa página de um jornal, ganharia uma breve matéria num telejornal e depois serviria de estatística para os muitos casos de homofobia espalhados pelo país.

Mas, como estamos falando de FUTEBOL, o esporte mais querido do Brasil. Aquele que lota campos, com homens exaltados torcendo pelos seus times. Um esporte nacionalista, onde brancos, negros, pobres, ricos, héteros, gays, homens e mulheres, todos se unem por uma só paixão. União mentirosa, pois esse esporte não é de todos. Ele seleciona, ou no caso do jogador do Corinthians, é selecionado por uma torcida de loucos que decide o perfil de torcedor que deve manter intacto os padrões dos grandes times. Ou seja, tem que ser homem, macho, viril. Nada de demonstrar carinho entre outros homens, por mais que estes sejam parentes. Ou amigos, como no caso de Sheik. Tudo isso porque no futebol não pode ter gay. Gostaria muito de saber se um grande atleta do futebol fosse homossexual, mesmo sendo talentoso, se a sociedade iria ignorá-lo por causa da sexualidade dele. Se é que já não exista um e a gente não saiba.

Outro exemplo da homofobia nesse universo foi o caso de outro jogador de futebol, Richardson do São Paulo. Ele que, ao contrário do Skeik, não se intimidou com as ameaças da torcida, do time e da sociedade e continuou seguindo a sua vida como jogador, ao passo que fazia tudo aquilo que qualquer ser humano tem o direito de fazer: ser feliz. Vale lembrar, que esse atraso no futebol não é algo abrangente. Em alguns times estrangeiros, por exemplo, alguns jogadores saíram do armário e mesmo assim continuaram exercendo a sua profissão. Então, o país do samba, do sexo e da pornografia, e do futebol, também se agrupa entre as nações mais assexuadas, hipócritas e homofóbicas do mundo. Tudo isso por que criamos divisões ridículas para os gêneros, como se as nossas genitálias controlassem as nossas mentes e personalidades.

Enquanto isso, torcedores fanáticos e desocupados, times conservadores e hipócritas e a leiga sociedade em geral acredita piamente na ideia de que não há gays no futebol e se há eles devem ser rapidamente expulsos, pois não se enquadram nesse esporte. Coitados! Esses que creem nessas coisas absurdas esquecem que a homossexualidade está em todo o lugar e, muitas vezes, não percebemos. Esquecem também que muitos gays torcem, vão aos estádios, assistem aos jogos de futebol, ou seja, custeiam de alguma forma esse bando de semialfatebizados que são idolatrados por apenas chutarem uma bola. Também se esquecem de que a homossexualidade não impede que o atleta X ou Y seja menos talentoso. Contrariamente a isso, em vários campos onde o gay exerce alguma função ele acaba se sobressaindo dos outros para mostrar que não é apenas superior por ser gay, mas porque ele é bom no que faz e ainda e gay, derrubando o pensamento ridículo de que a homossexualidade remete incapacidade. 

Logo, parem de enxergar gays apenas em salões de cabeleireiros, boates, no mundo da moda ou na mídia. Eles estão por ai exercendo as mais variadas funções. Alguns mais corajosos, se assumem de cara. Outros, com medo da represália social, ainda se escondem em armários, quartos, vestiários e, porque não, esportes diversos. O que importa não é a sexualidade desse indivíduo, mas o que eles tem a oferecer. Geralmente, são pessoas educadas, antenadas, respeitosas e humanas. Então, espero que o inocente beijo do jogador do Corinthians não volte a ser interpretado como uma afronta, mas sim como um avanço. Um passo significativo de um hétero que, inocentemente fez uma brincadeira com um grande amigo e nem sequer imaginou no que iria acontecer, para a construção de uma sociedade mais plural dentro e fora de campo. Quem sabe assim os verdadeiros gays, tanto nas torcidas quanto aqueles que estão jogando em campo, criem coragem para serem livres de verdade. 

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