Da palmatória ao WhatsApp



Infelizmente, vivemos na era da indisciplina. Jovens cada vez mais insubordinados crescem sem a devida delimitação necessária para se tornarem adultos conscientes e responsáveis pelos seus papeis em sociedade. Rebeldes desde muito tempo, hoje eles contam com um forte aliado para se desviarem dos estudos e, consequentemente do respeito ao ser humano, a tecnologia. Não que os recursos tecnológicos tenham sido negativos para as práticas educacionais, mas sim a forma como eles vão sendo utilizados e presenteados por pais e familiares, como forma de agradar ou “punir” seus filhos. No meio disso tudo, a escola é a maior vítima dessas mudanças juvenis, pois tenta educar esses jovens, garantindo-lhes um futuro promissor, ao passo que enfrentam o desinteresse estudantil proporcionado pelas inovações tecnológicas. Presos a redes sociais e ao mundo virtual, essa juventude adentra as salas de aula, alheios ao mundo real. Então, muito antes deles serem classificados como indisciplinados há outros rótulos possíveis e passíveis de análise, nesse contexto.
Se antes, o professor dizia em sala de aula “cala a boca menino!”, “Fulano, preste atenção na aula!”, “Beltrano, sente-se corretamente na carteira”, “Sicrano, faça as tarefas, ou vai ficar de castigo!”. Hoje, essas expressões ganharam o acréscimo das novas tecnologias. Agora, o comum é ouvir “Menino, desligue esse celular!”, “Saia dessa rede social!”, “Tire o fone do ouvido!”. De fato, o advento tecnológico modificou profundamente a nossa relação com o mundo e a escola não poderia ficar de fora disso. Acontece que ela ainda não sabe utilizar corretamente os recursos advindos da tecnologia, nem tão pouco consegue conter o uso demasiado e descontextualizado de celulares, Tablets, Iphones, Ipads, e Ipods em sala de aula. Devido a essa dicotomia, os jovens sentem-se livres para usar esses recursos irresponsavelmente tanto fora quanto dentro do ambiente escolar. Intensamente aprisionados a esses meios virtuais, os jovens estão sendo vitimados a se viciar cada vez mais pela tecnologia deturpada e menos pelos estudos, os quais já ocupam o terceiro ou quarto plano em suas vidas.
Por essa razão, antigos males escolares acabam sendo potencializados por causa da utilização errônea da tecnologia. O primeiro deles é a demasiada preguiça. Em sala de aula, ela se personifica na forma de sonolência, a qual obriga os estudantes a dormirem, às vezes profundamente nas aulas. Esse sono exacerbado não é fruto de noites de estudo ou madrugadas mal dormidas, mas sim de muitas e muitas horas navegando nas atrativas redes sociais, geralmente em pesquisas de conteúdos inapropriados ou de pouco valor intelectual. O segundo ponto nesse âmbito é a rebeldia. Acostumados a viverem no mundo sem fronteiras da internet e, consequentemente sem limites, muitos jovens não estão dispostos a acatar as regras impostas pelo colégio, nem tão pouco pelo professor. Logo, a autoridade exercida pela escola é vista como uma afronta a esses infantes, que aprenderam a ser livres em suas páginas virtuais, onde com pseudônimos e “fakes”, eles podem ser o que querem sem o comando ou orientação de ninguém. Por causa dessa conduta, o terceiro ponto dessa questão é a violência escolar praticada por muitos jovens. Sejam entre eles, ou contra professores, diretores, gestores e funcionários em geral, os jovens atualmente não se intimidam mais com o adulto que está na sua frente, nem tão pouco os enxergam como responsáveis pela sua formação educacional, mas sim como inimigos que querem ferir a sua intocada liberdade.
Entretanto, resumir essa questão apenas ao âmbito tecnológico é ignorar um fenômeno que também está imbrincado a tais aparelhos, a permissividade familiar. No passado, por exemplo, cabia aos pais à tarefa de castigar seus filhos por algum delito praticado por estes, geralmente privando-os de certas regalias para, assim, obter a obediência deles. Com o tempo e as modificações pedagógicas, há quem diga que bater numa criança, mesmo que seja apenas uma palmada, não é a forma mais adequada de educar. Os moldes sociais trataram, então, de mexer nessa questão e hoje dar uma tapa num infante é o mesmo que açoitar um negro nos tempos tórridos da escravidão brasileira. De fato, bater ao ponto de torturar esses pequenos seres humanos não resolveria o problema. Mas, será que a palmadinha não é realmente necessária? Numa época onde o diálogo parece não ser a arma mais adequada para conter a insubordinação juvenil, talvez recorrer aos moldes mais antigos pareça ser o mais acertado em alguns casos. Ou, unir estratégias que deram certo no passado com as do presente, sobretudo se estas estiverem aliadas com a escola, podem ser uma possível solução para tal problemática.
Enquanto isso não acontece, as palmadas continuam sendo substituídas por celulares de última geração. Os castigos, por Tablets. Os internatos, por viagens a Disney. E se antes a autoridade dos pais prevalecia, hoje ela é questionada, pois seja através de lágrimas fingidas, egos inflados e chantagens mil, jovens teatralizam protagonistas no palco onde os familiares são meros e passivos espectadores. Sem domínio sobre seus filhos, coube a escola a tarefa de resgatar essa juventude do abismo que inconscientemente foram lançados. Contudo, as raízes do desinteresse são tão profundas que dificilmente serão arrancadas sem deixar significativas ramificações. Sem contar que o ambiente escolar nada mais é do que o reprodutor dos estamentos vividos pela própria sociedade. Ou seja, como ensinar o gosto pela leitura a jovens que vem de famílias que não leem? Como criar o interesse pela escrita num mundo virtualizado, onde os caracteres delimitam a expressão verbal? Como fazer pequenos cálculos, analisar mapas, entender conceitos históricos e filosóficos, se a juventude não tem a consciência da importância de tais disciplinas? E, por fim, como disciplinar esses infantes num ambiente escolar que vive, ao mesmo tempo, longe e próximo da palmatoria e do Whatsapp?
O desinteresse juvenil pelos estudos parte da família, que não toma as devidas rédeas sob os seus filhos e que não vê a escola como instrumento de aquisição de conhecimento, mas sim como um local onde a juventude vai aprender algo que deveria ser prioritariamente ser aprendido e apreendido em casa, a educação. A culpa também é da escola, que não é capaz de criar um modelo pedagógico que possa de fato transformar a realidade juvenil, ao passo que acompanha as modificações sociais vividas por ele. Não adianta dá Tablets aos jovens, se não é ensinado previamente qual é a melhor forma de usa-lo. Também não é bacana criar espaços virtuais, quando falta um projeto real que integralize essas tecnologias com as práticas educacionais e, consequentemente a aquisição e conhecimento. Vale lembrar também da parcela de responsabilidade governamental, visto que, mesmo sabendo de toda essa realidade, pouco tem feito para modifica-la de fato. São tantos culpados conhecidos, tantos caminhos possíveis para modificar essa realidade, mas pouco fazemos enquanto família, educadores e, sobretudo eleitores. Por isso, talvez o caminho para reverter isso tudo seja a consciência do papel que cada um de nós, adultos, exerce na educação juvenil. Não adianta voltar a palmatoria, pois os tempos mudaram. Também não precisamos ver o WhatsApp como inimigo. Se ele está ai, bem como as outras tecnologias, que então pelo menos adentram no espaço escolar como ferramenta para o conhecimento de todos e não apenas uma mera distração, como tantas outras do gênero.

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