Todo ano é a mesma coisa. Chega o mês de outubro, mas precisamente no dia 15, e as pessoas se entregam as manifestações de agradecimento e carinho aos milhares de professores que compõem o corpo docente brasileiro. Nada mais que justo, visto que vivendo durante quase todos os dias do ano no esquecimento, essa classe de trabalhadores merece, no mínimo, ser lembrada e condecorada com uma data especial. Entretanto, para além das homenagens, bem como as demonstrações de afeto de colegas de trabalho e alunos, o que mais se pode comemorar nesse dia? Com baixíssimos salários, trabalhando em condições desumanas e com um diminuto reconhecimento da sociedade, poucos são aqueles que são presenteados com a honra de serem professores nos dias atuais, já que devido e esses e outros problemas, essa classe vem paulatinamente deixando essa honrosa carreira para se aventurar em outros caminhos onde o dinheiro e o prestígio social de fato existem.
Ser professor. Ser pai e mãe ao mesmo tempo. Ser amigo, confidente e psicólogo. Ser educador. Ser assíduo. Ser responsável. Ser coerente. Ser inteligente. Ser dinâmico, atualizado e vanguardista. Ser firme e, ao mesmo tempo, dócil. Ser, estar, parecer e nunca padecer. Esses são alguns dos muitos verbos que predominam na vida daqueles que enveredam pelos caminhos do ensino. Para esses, ser é estar pronto a enfrentar a dura realidade da educação brasileira que perdura há gerações. Uma educação secundarizada, a qual o ensinar é colocado em segundo, terceiro, derradeiro plano por aqueles que regem o poder econômico e político da sociedade. Ser é estar disposto a trabalhar de mão atadas, sem os instrumentos corretos para salvar o alunado do abismo de que são obrigados a caminhar desde o seu nascimento. Ser é estar preparado para lutar contra as presas da ignorância que a todo o momento insistem em confinar nossos jovens direcionando-os, muitas vezes, à marginalidade. Ser professor é estar preparado para tudo isso e ainda amargar o desrespeito cultural de um país que não valoriza como deveria esses profissionais. Se ser professor é ser tudo isso e muito mais, por que sua existência é invisibilizadas por nós?
Entre tantas respostas possíveis, a primeira delas se refere a nossa cultura histórica. Nossa nação nunca deu o devido valor a esse profissional no passado e, atualmente, tenta reverter essa situação com mecanismos paliativos, que não resolvem de fato o problema. Fala-se sempre que o país está investindo mais em educação. Mais escolas estão sendo construídas. Mais alunos estão matriculados nesses espaços, alguns até de forma integral. O material escolar e a merenda são melhores e de melhor qualidade. Tudo isso é indiscutivelmente benéfico para o ambiente educacional brasileiro, que durante anos viveu grandes lacunas nesse sentido. Agora, quando o assunto é investir no professor a história muda completamente de rumo. Esses profissionais ainda são os mais mal remunerados do país. Na realidade, há quem discorde dessa verdade, contradizendo que muitos profissionais da educação recebem bem e vivem confortavelmente. Porém, o que é viver bem? O que é também, nesse contexto, viver confortavelmente? Nesse âmbito, vale acrescentar outra questão: como esses ditos professores conseguiram viver bem e confortável? As respostas para tais indagações se resumem em apenas uma frase: anos de trabalho árduo.
Para aqueles que conseguiram se estabilizar nessa área, parabéns. É um feito digno de reconhecimento. No entanto, não é essa a mesma realidade de tantos outros docentes espalhados pelo país. Isto porque, as constantes paralisações da categoria mostram claramente à dura vida de quem tenta sobreviver com a educação. São greves, passeatas e, infelizmente, até depredações e pancadarias realizadas por esses indivíduos, que perdem a sensatez para serem notados pela sociedade e, consequentemente pelo governo. Se vão as ruas em mais de um estado brasileiro é porque os problemas vividos por eles, dentro e fora de sala de aula, já chegaram e um ponto insustentável. Entre as reivindicações, o aumento salarial é sempre o principal. O valor da hora aula é simplesmente desumano, obrigando muitos deles a dobrar, triplicar, quadruplicar..., a rotina em sala de aula, para terem uma vida digna e uma aposentadoria decente no fenecimento da vida. Enquanto esses heróis, que formam todos os profissionais do mundo, recebem esmolas em forma de salário. Outras “personalidades” desfrutam de milhões por mês, sem ter, muitas vezes, terminado o colegial. Os exemplos são muitos, desde jogadores de futebol a celebridades relâmpagos. Entretanto, a nação pouco se importa, pois se acostumaram com essa dicotômica realidade e pouco se mobilizam para muda-la.
Além disso, os professores ainda são obrigados a trabalhar em condições precárias. Mesmo com os avanços educacionais brasileiros, muitas escolas do país pecam no quesito estrutura. Faltam carteiras confortáveis para alunos e professores. A água e alimentação nem sempre chegam para alimentar e saciar esses alunos carentes e famintos de nutrientes e saber. Não há bibliotecas apropriadas para aulas dinâmicas ou laboratórios para experimentos extra sala. O material didático é de baixa qualidade, reduzindo ainda mais o nível das aulas. Somado a isso, estratégias governamentais para atenuar essa realidade acabam assumindo outros efeitos colaterais. As inúmeras “bolsas” ofertadas pelos políticos, para manter o alunado na escola, não surtiram os efeitos esperados. Contraditoriamente, financiar a permanência de jovens na escola serviu apenas como potencializador de gravidezes entre miseráveis, que encontram nessas migalhas a chance de usufruir do dinheiro público e também ampliar a já gritante taxa de natalidade no país. Nesse sentido, vale pontuar a criação das escolas integrais e semi-integrais, que tem como finalidade manter o aluno na escola, com aulas dinâmicas e produtivas. Contudo, a falta de fiscalização governamental mostra que, em muitas instituições, a teoria não vem sendo aplicada a prática, pois a construção do saber desses jovens integralmente não vem sendo realizada como se desejara.
Em meio a isso, o professor ainda é obrigado a conviver com um fenômeno antigo, mas que vem protagonizando o palco escolar com cada vez mais veemência: a violência. Ela que não se restringiu aos limites externos da escola e conseguiu adentrar em seu espaço. Fruto da árvore genealógica da desigualdade social, muitas crianças e jovens trazem na bagagem a brutalidade de que foram e são vítimas fora da atmosfera de ensino. Então, inconscientemente acabam muitas vezes agredindo colegas, professores, entre outros profissionais. No Brasil, cresce exponencialmente os casos de agressão escolar entre alunos e professores. Ao mesmo tempo, o Bullying vem se popularizando entre os corredores de colégio e a sociedade, omissa, deixa para o educador o papel de solucionar essas lacunas. Diante desse quadro violento, os educadores são obrigados a ministrar suas aulas, tentando salvar muitos jovens da selvageria de que foram raptados. Tudo isso sem proteção, nem respaldo escolar, visto que muitos alunos agridem professores e nada de fato é resolvido em prol desse profissional. Sem contar que, devido a acumulo de tarefas, esgotamento, fadiga, e doses cavalares de desrespeito, muitos educadores perdem os sentidos e acabam ferindo aqueles alunos que violam a fronteira entre eles e aqueles profissionais. Todo esse caos é fruto do descaso que o governo e a sociedade exercem sobre o professor. Enquanto o país não se conscientizar da importância desse docente para a construção de uma nação mais rica, em múltiplos sentidos, não poderemos sonhar com o real desenvolvimento da pátria.
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