Esmolas e Solidariedade: onde começa um e termina o outro?


Quantas e quantas vezes, nas ruas das grandes cidades brasileiras, nos deparamos com crianças, adolescentes, homens e mulheres pedindo algum tipo de esmolas. Seja dinheiro, comida ou qualquer outra coisa, o ato de esmolar tem se configurado como um fenômeno crescente nos grandes centros urbanos do país. Para tanto, é evidente que os fatores de ordens sociais são os principais causadores de tal situação. Porém, mesmo sabendo da disparidade existente na nossa economia, muitas pessoas se sentem sensibilizadas com um olhar desolador de um jovem no sinal, ou sentado numa viela e acabam “ajudando” com alguns trocados ou com restos de alimentos. No entanto, será que essa atitude resolverá o problema dessas pessoas? Será que o indivíduo que faz esses tipos de doações está sendo, realmente solidário ou está ampliando o número de mendigos nas ruas?
 
Para responder essas indagações, é preciso antes deixar claro o real conceito de solidariedade. Para muitos, ser solidário basicamente passa pelo crivo de doar alguma coisa para alguém, o que não deixa de ser uma verdade. Entretanto, a palavra em questão vai além disso. Um ser solidário não se limita apenas a ofertar coisas materiais a quem mais precisa, mas também ofertar às pessoas mais necessitadas algo que vai além da materia, em outras palavras, atenção, carinho, educação e oportunidades de mudar a realidade vigente. Infelizmente, na prática essa palavra limitou-se a caridade, passando por duas instâncias: os que recebem, os quais temporariamente têm os seus problemas resolvidos, e os que doam, estes que nutrem o pensamento de dever cumprido, após terem “ajudado” esses mendigos.
 
Nessa dicotomia, a sociedade segue com a falsa ilusão de que, com pequenos paliativos, está fazendo a sua parte para suavizar a triste realidade vivida pelos mendigos, enquanto estes se proliferam como uma praga incontrolável, gerando outros problemas sociais como drogas, prostituição e violência. Muitas dessas pessoas entraram nesse tipo de vida, não por escolha, mas, simplesmente porque o Brasil, mesmo com todas as suas riquezes, ainda não conseguiu fazer uma partilha igualitária dos seus bens, ao ponto que as pessoas mais pobres pudessem ter direitos a uma qualidade de vida com o mínimo de dignidade. São indivíduos ganhando rios de dinheiro, enquanto a grande parcela da população faz malabarismo para equilibrar o orçamento mensal, quando o tem.
 
Nesse panorama, a desigualdade acaba fazendo as suas vítimas. Surgi, então, a mendicância, ou seja, pessoas que não têm sequer a menor quantia para subexistir, nem tão pouco para conseguir o alimento da próxima refeição. Desse quadro desumano a sociedade observa o termômetro da economia do país, esta que, lamentavelmente não garante a autonomia qualitativa a todos os membros que formam essa nação. Daí, não é suficeinte apenas dar um pouco do próprio dinheiro, como única solução para o problema da carência dessas pessoas. Antes de tudo, é preciso cobrar estratégias públicas que diminuam as diferenças existentes entre os mais ricos e os mais miseráveis.
 
Ser solidário, então, nesse contexto ganharia uma acepção mais ampla. Diria até que revolucionária, pois para mudar a realidade dos mendigos brasileiros é preciso transformar de uma vez por todas essa cultura desonesta e, sobretudo desumana que acaba tratando seres da mesma espécie de forma diferente, baseados apenas nas suas posses. A sociedade tem que encontrar medidas para retirar essas pessoas que fazem das ruas a sua morada e encontram nelas meios animalescos de sustento. Todas as pessoas têm o direito de ter condições para adquirir uma moradia decente, alimentar-se de forma correta e, principalmente mecanismos para sair da estratificação operante no país. Nenhum cidadão merece ter esses direitos furtados, para isso a palavra solidariedade se inclui a outra, não menos importante, chamada educação. Enquanto esta não for amplamente valorizada, dificilmente a sociedade resolverá esses e outros problemas que insistem em mascarar o cenário desalentador existentes nas grandes e pequenas cidades do Brasil.

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