Nos tempos gloriosos da Grécia antiga, época de batalhas ferozes e grandes lutas pelo poder, o homem, entre tantas filosofias, buscava eternalizar os seus feitos através do próprio nome. Nesse período, as vitórias estavam respaldadas no legado, no que cada um deixaria para posteridade. Por isso que até hoje muitas ideias, pensamentos e comportamentos desse povo são copiados, difundidos e vistos como modelo de inteligência, honradez e sabedoria. Esta gama de qualidades que, na atualidade, infelizmente tem se perdido. O homem de hoje, individualista e vitima do dragão do consumismo, não desfruta dessa mesma ideologia. Presos aos padrões ditados pela sociedade moderna, ele pouco tem se preocupado com o futuro das próximas gerações, destruindo paulatinamente sua própria espécie, seu habitat, e lamentavelmente o seu caráter.
A sociedade atual está semeando um futuro sem consciência ambiental, do qual a natureza não é vista como protagonista. O meu ambiente é a maior prova desse desrespeito à vida, no sentido amplo da palavra. Mesmo com as declarações feitas por especialistas da área, a humanidade não se conscientizou de que o equilíbrio entre homem e natureza é essencial para a manutenção da vida na terra. Enquanto essa conscientização não é despertada, a poluição cresce a cada dia, as florestas continuam sendo devastadas, a lista dos animais em extinção, ou perto dela, cresce no mesmo ritmo e a mãe natureza, impiedosamente devolve todo esse descaso em forma de chuvas, vendavais, tsunamis, enchentes, calor ou frio excessivo. O discurso de sustentabilidade, sozinho, não vai resolver essa problemática, se antes disso a humanidade não encarar, com maturidade, a culpa pelos danos causados e tentar solucioná-los enquanto ainda há tempo.
A educação também passa por esse processo destrutivo. A sociedade vai deixar por muitas gerações pessoas alienadas, que leem pouco e por isso pensam na mesma medida, e quando pensam. Muitos jovens vão se tornar adultos semialfabetizados, incapazes de raciocinar criticamente sobre a realidade circundante, consequentemente sem a mínima chance de mudar o quadro de desigualdade que fomenta tantos problemas sociais, dentre eles a violência, sua parceira inseparável. Em muitos países, como o Brasil, esse quadro toma dimensões catastróficas. Muitas melhorias foram evidentemente realizadas, como ampliação de escolas, contratação de novos profissionais e muitas crianças, que antes não tinham acesso ao processo educacional, podem contar hoje com a difusão das instituições e de projetos nesse sentido, mesmo em partes bem longínquas do país. No entanto, falta qualidade nesse ensino. Os professores não são bem remunerados, os alunos, por sua vez, não recebem um ensino que privilegie a autonomia e a reflexão do mundo. Na verdade, não se educa para ser, se educa para ter, ter dinheiro, casa, carro, um corpo sarado, já que a escola se tornou difusora das exigências sociais.
O homem de hoje deixará para a posteridade uma sociedade de velhos. Sinônimo de experiência e sabedoria, os idosos se proliferam em todo o mundo, principalmente em países “desenvolvidos” como o Brasil, onde a qualidade de vida deles tem melhorado consideravelmente. “Vive-se mais e melhor”, é a frase dita por muitos especialistas ultimamente. No entanto, mesmo com ampla perspectiva de vida, muitos idosos não são respeitados como deveriam. Eles enfrentam o estigma da beleza, dos corpos sarados e da velhice cirúrgica, a qual retarda marcas e cria verdadeiros fantoches, “Peters Pans” nessa terra do nunca. Também sofrem com o rótulo da incompetência, da inutilidade, como se fossem máquinas que devem ser descartadas quando ficam envelhecidas. Quando são pobres ainda é pior, pois além de tudo isso eles tentam enfrentar a vida recebendo a esmola do governo, em forma de aposentadoria.
Também deixaremos como legado relações destruídas. Pais que não dialogam com filhos sobre amores, drogas, sexo, orientando-os para uma vida saudável e de respeito. Casais com casamentos não duráveis, ora por imaturidade de alguma das partes, ora pela violência, pelo desrespeito e pela falta de cumplicidade. Muita permissividade e pouco controle de pais sobre filhos, já que impor limites na modernidade é sinônimo de caretice. Resultado disso são jovens rebeldes, infantis, mimados, despreparados para sobreviverem sozinhos nesse mundo tão individual como nosso. Nesse ciclo, vão sendo criadas pessoas que não vão respeitar as diferenças e que possivelmente vão alimentar a fome voraz da violência, a qual nem sempre nasce em berços miseráveis economicamente, mas sim na barriga da ignorância, da falta de rédeas, e da ausência de autoridade, estas ferramentas fundamentais para a formação do caráter humano.
Ficará para as futuras gerações uma sociedade de vícios. Hoje nós bebemos compulsivamente e, às vezes, saímos em alta velocidade, num misto de suicídio e assassinato. Como se não bastasse, usamos drogas cada vez mais potentes, na tentativa de fugir da realidade da qual nós mesmos criamos. O homem atual trabalha mais e dorme menos, já que “tempo é dinheiro”, ele não pode perdê-lo com aquela cesta da tarde, tão saudável para o funcionamento do corpo e da mente. Ele também não contempla as belezas que estão a sua volta, o ar, o sol, a lua, o céu, a dádiva de estar vivo, de ver a família unida e com saúde. Essas singelezas são imperceptíveis para ele, uma vez que o imediatismo, a pressa, o consumo, o ter são as palavras que impulsionam a sua rotina, tirando dele a mínima possibilidade, e sensibilidade, de parar e contemplar o mundo e as pessoas ao redor.
A geração do amanhã estará em contato com um mundo cada vez mais tecnológico. De fato, o advento da internet trouxe mudanças definitivas na vida de todos, sejam elas positivas ou negativas. Proporcionando o prolongamento do pensar, em muitos casos, o mundo virtual é usado erroneamente por pessoas que preferem encontrar modelos prontos para tudo, estagnando a própria criatividade e a capacidade de elaboração. Não mais é preciso parar para pensar, mas sim parar para teclar. Com apenas alguns cliques o mundo todo está ao alcance de todos e muitas vezes esse domínio, em mãos erradas, pode trazer prejuízos incontáveis e infindáveis. Mais “Ipads”, “Ipods” e “Tablets”, alimentando a fome do consumismo, e menos controle na navegação, sobretudo com os jovens, grupo este vulnerável aos ataques de pessoas maledicentes e oportunistas. Assim, crescem as manifestações de intolerância, a dependência às redes sociais e o mundo virtual torna-se uma rota de fuga para o individuo contemporâneo, onde seus anseios, desejos e frustrações podem ser resolvidos com a ilimitada capacidade de navegação desse veículo.
Esse é o legado do homem atual para as futuras gerações. Uma sociedade consumista, individualista, com relações fugidias, paixões efêmeras, frivolidades, apelo ao supérfluo e desrespeito ao semelhante. Pessoas que nascem vazias e vão sendo esvaziadas pela falta de autoconhecimento, pela ignorância e pela carência de oportunidades. Numa passagem tão rápida pela terra, o homem moderno se preocupa mais com a construção de grandes prédios, pontes e cidades megalomaníacas, do que com a elaboração de projetos que dizimem a fome do planeta, a violência contra as minorias, à desigualdade da qual cria diferenças subumanas e em manter a salvo a natureza, termômetro vivo da existência humana.
Ao invés de criar armas destrutivas, incitar guerras, propagar a intolerância, alimentar preconceitos vãos e insistir em discriminar os nossos semelhantes, devemos nos preocupar com a construção de um mundo mais acolhedor e pacífico, onde todos terão os mesmos direitos e deveres. Portanto, querer a paz total é algo infelizmente inalcançável, mas desejar um mundo com menos sofrimento, desigualdades e desrespeito deve ser o legado de todos. As mesmas mãos que são capazes de destruir, ferir, julgar e matar, também são hábeis em reconstruir, para melhor, todo esse mar de sangue do qual mergulhamos o nosso caráter com falsas ideologias e comportamentos animalescos. Transformar o presente, com pequenos gestos, mas repletos de grandes atitudes e sentimentos, é legar para as futuras gerações uma filosofia menos egoísta e mais centrada na união.
Comentários
Postar um comentário