É incrível como tabulamos certos assuntos. Mais incrível ainda é saber que esses mesmos assuntos geralmente giram em torno do sexo e seus “mistérios”. Mistérios que vendem livros, ganham quadros em programas de auditório, circulam em mesas redondas e tantos outros debates pelo país; entre outras pautas importantes sobre esse tema. Em meio a isso, a virgindade surge como um mito. Ser virgem numa sociedade que apela, grita, vocifera por sexo é o mesmo que não ser desse planeta, ou, é como se o indivíduo possuísse algo de especial, divino, sacralizado no meio das pernas. Nos esquecemos, porém, que uma coisa necessariamente não tem nada a ver com a outra. Na verdade, por diversas razões santificamos o nosso corpo nesse aspecto para ludibriar nossos reais pensamentos lascivos. Geralmente para passar a falsa ideia de pureza para o outrem. Ou, entregamos abruptamente nossa virgindade, movidos pelas pulsões intimamente humanas ou pelas constantes imposições sociais. Nisso tudo paira a dúvida: quando é o momento certo para se fazer sexo pela primeira vez?
Ser ou não ser mais virgem, eis a questão. Inevitavelmente, todos nós passamos por esse dilema na construção da sexualidade humana. A tão temida primeira vez é ansiada por alguns e procrastinada por outros, por razões diversas em contextos também variados. Se no passado possuir o corpo intocado significava ter maiores chances de construir uma família pautada na decência e nos bons costumes, hoje a realidade é bem diferente. Não que a decência e os bons costumes tenham sumidos por completo. Entretanto, não há mais esse peso na responsabilidade matrimonial que obriguem casais de se unirem totalmente intactos no tocante sexo. O que há hoje é algo bem mais perigoso: a utilização maniqueísta da virgindade. De um lado, meninos e meninas pressionados pelas esferas sociais a romper essa fase a todo custo e, do outro, um pequeno grupo utilizando a virgindade como uma relíquia moralizada que deve ser preservada até o altar.
Nesse embate, as meninas são as que mais sofrem. Tolhidas desde cedo por essa sociedade ainda machista, elas são bloqueadas de manifestar suas vontades sexuais pela família, pela sociedade, pela religião e tantas outras esferas que secundarizam os desejos femininos. Sem dúvidas, a pressão familiar, imposta pela sociedade para que a menina se torne uma mulher direita, de bem e honesta, aparece como uma das principais causas disso. Muitos lares ainda educam suas filhas a serem e se casarem virgens, como se isso indicasse honestidade e honradez plena. De fato, quando se quer esperar um pouco mais para se concretizar tal feito, isso deve ser respeitado. Mas, não podemos, enquanto familiares, impor que a virgindade seja encarada como uma honraria ao macho alfa, que terá o maior prazer em desvirginar a sua amada, como num ritual. Ao fazer isso, estaremos regressando a outros tempos, dos quais meninas serviam de oráculos em cerimônias mágicas ou sagradas.
Na verdade, a teatralização em torno do primeiro ato sexual é fruto de todo esse misticismo que envolve a liberação sexual. Acreditava-se, e ainda acreditamos que, entre as mulheres, a pureza deve ser guardada até os últimos instantes. Alimentando isso vem à idealização da virgem Maria servindo de modelo para que meninas se inspirem nisso como devoção. Por isso que muitas sonham em casar-se de branco, pois pretendem fazer parte desse sonho imposto pela tradição religiosa, mesmo que por dentro a vontade de romper esse paradigma seja imensurável. E muitas acabam perdendo sua virgindade de outra forma. Para deixar de ser virgem basta perder a pureza, a inocência e isso muitas delas já não possuem mais, já que há outras formas de se fazer sexo, sem necessariamente ter a penetração pênis e vagina. Além disso, nossa cultura do sexo trata rapidamente de introduzir, muitas vezes de forma errônea, essas jovens no submundo do prazer. É por essa razão que muitas garotas subvertem esse sistema e se entregam deliberadamente aos prazeres, trazendo consequências como gravidezes indesejadas e até doenças. Então, era melhor esperar a hora correta? O melhor era ensinar a essas jovens a ter autonomia e maturidade sobre o seu corpo. Só assim evitaríamos puritanismo e promiscuidade exacerbados.
Na outra ponta do iceberg estão os meninos. Para quem não sabe, eles também sofrem e muito quando o assunto é virgindade. Mesmo vivendo numa sociedade onde o macho dita costumes e regras, quando o assunto é virgindade, nem mesmo ele escapa. Não é muito comum encontrarmos rapazes, nesta sociedade que o inicia cada vez mais cedo no sexo, virgens. Quando isso ocorre rapidamente tratamos de elaborar teorias mirabolantes para justificar o fato. “Acho que ele deve ter algum problema de saúde”; ele pode ter vergonha do tamanho do pênis, só pode!”; “talvez ele seja gay e não quer assumir e fica inventando essa de virgem”. Essas e outras atrocidades são proferidas por muitos ignorantes ao discutir esse tema sob o enfoque masculino. Isso porque, se a mulher sofre para manter a sua virgindade até a data “correta” eles penam para iniciar o quanto antes a vida na cama. Para isso vale tudo: comprar filmes e revistinhas estimulantes, levar a prostíbulos, contratar prostitutas, tudo para que o varão perpetue os estamentos sociais sobre o sexo dominante de que faz parte. Devido a essas atitudes, muitos deles enveredam pelos prazeres sexuais de uma forma incompleta e, muitas vezes perigosa.
No meio disso tudo, há aqueles que se utilizam da virgindade para moralizar a vida social. Numa cultura onde o sexo é altamente banalizado, quem consegue conter seus desejos se torna emblematicamente sacralizado. De certo modo, aqueles e aquelas que escolhem resguardar suas intimidades para momentos mais específicos, com pessoas criteriosamente escolhidas e em momentos planejados, devem ser indiscutivelmente respeitados por isso. No entanto, certos indivíduos usam sua assexualidade para tachar o outro de lascivo, promiscuo e vulgar. Ora, se uns tem o direito de esperar um pouco mais, outros podem realizar tal feito quando assim desejarem. Essa postura conservadora de alguns em relação ao desejo alheio é fruto, sobretudo, da influência religiosa na sociedade. Muitas igrejas pregam filosofias castas, as quais restringem o sexo apenas ao momento do casório. Certo ou errado, alguns absorvem esses conceitos distorcidamente e desconsideram o instinto animal existente em cada um de nós. Em outras palavras, por mais racionais que sejamos na hora da cópula somos tão ou mais selvagens que muitas feras indomáveis.
É por essa razão que os índices envolvendo traumas na primeira relação sexual são bastante comuns. Depoimentos de meninas frustradas com a primeira vez mal realizada, antes ou depois do casamento, brotam aos montes. Da mesma maneira que rapazes despreparados para o ato sexual guardam os constrangimentos e traumas desse momento pelo resto da vida. Diante de tudo isso fica claro que o problema não está em perder ou não à virgindade, nem o melhor momento para tal. A discussão maior gira em torno do sexo. Ele que ainda não é debatido de forma madura entre pais, educadores e religiosos. Por essa razão é que existe essa bifurcação na sociedade: de um lado os que sacrificam seus prazeres e sensações em prol de uma virgindade longínqua e, do outro, aqueles que subvertem esses ditames, nem sempre da melhor forma. Enquanto nada de significativo é feito em torno dessa problemática, a sociedade segue seu curso sexual conturbado e distorcido. Mais e mais jovens são impelidos a seguir um desses caminhos, os quais muitas vezes não levam a felicidade sexual tão desejada por muitos. Dessa forma, o mas prudente é desmistificar a áurea de pecado e santificação sobre a virgindade humana e tentar criar caminhos menos traumáticos para aqueles que cedo ou tarde trilharão o inevitável caminho do prazer.
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