A homofobia continua a ceifar vidas pelo Brasil afora. Isto porque gays de todos os tipos são inumeravelmente assassinados e pouco é feito para que a bestialidade de tais atos seja contida. Dessa vez, a mais nova vítima da brutalidade humana foi à travesti Lorena Layalla. Pernambucana, morava em Recife e era bem conhecida no rol das travestis tanto pela sua simpatia quanto pela sua incontestável beleza. Ela foi encontrada morta com dois tiros à queima roupa, nas bermas de uma estrada. Este crime chocou todos que a conheciam. Porém, para além do emocionalmente choque que a morte dela causou em todos aqueles que convivam com Lorena, deve-se pontuar que esta barbaridade só ratifica a selvageria da sociedade contra a camada LGBT.
Deste grupo todos sofrem preconceitos, desde o homossexual másculo ou feminilizado, até as lésbicas de perfis semelhantes. No entanto, quando o foco são as travestis, a potencialização dos atos homofóbicos são bem maiores e as razões que justificam isso, ou pelo menos tentam, não são tão difíceis de serem percebidas. O perfil transgressor da travesti, com seu corpo moldurado em hormônios e silicones, representa uma possível afronta ao ideário feminino. Por esta atitude, a priori, elas causam tanto estranhamento e repulsa nas pessoas e até mesmo entre muitos homossexuais que não conseguem, muitas vezes, manter uma relação amigável com elas.
Outro ponto importante nesta discussão é o incontestável caminho herdado por muitas travestis pela sociedade, o da prostituição. Isto porque elas não são, de fato e de direito, prostitutas, mas sim prostituídas por uma sociedade hipócrita que enclausura suas fantasias sexuais, procurando externá-las em prostíbulos, ruas, avenidas e pontos de comercialização sexual diversos, onde as travestis reinam servindo de objetos para saciar a vontade daqueles que não têm coragem de revelar os seus reais desejos. Acuadas, sem espaço nem respeito, poucas são aquelas que conseguem escapar dessa sina, conseguindo um espaço digno na sociedade. Lamentavelmente, o destino das travestis atuais, e daquelas que irão surgir, é o da prostituição arriscada, na qual elas são fatalmente agredidas e, quando não, assassinadas por clientes insatisfeitos ou por os ditos homofóbicos, pessoas geralmente conturbadas e sem uma identidade sexual formada, que preferem exterminar suas inseguranças ferindo o outrem.
Tudo isso é potencializado pela nossa frágil educação sexual. Desde cedo somos educados aos ditames relacionados ao gênero feminino e o masculino. Essa polarização da sexualidade humana acaba de certa forma engessando a mente de crianças e jovens que não aprendem desde cedo que há uma ampla gama de gêneros, os quais devem ser vistos, compreendidos e respeitados por todos. Por isso que as travestis não são, ainda, aceitas. Não se ensina nas escolas que elas são pessoas normais como às outras, bem como todos os outros que compõe o núcleo LGBT. Devido a essa lacuna, crianças se tornam jovens ariscos e fechados a uma discussão mais profunda sobre sexo, sexualidade e identidade de gênero, virando, possivelmente adultos homofóbicos que irão tratar com desdém, repulsa, ou pior, com violência os homossexuais.
O fim de Lorena é a prova viva disso. Por mais que ajam inúmeras especulações sobre o caso dela, na verdade, ela foi vítima da intolerância, da demasiada limitação que a nossa sociedade ainda tem sobre a homossexualidade, a qual é nutrida por gerações, ora por uma educação amplamente sexista disseminada pela religião, ora pela ausência de um plano educacional voltado para construção de um debate escolar de inclusão, no qual a temática gay seria discutida de forma natural, para que as crianças crescessem respeitando a pluralidade humana. Lorena foi um dos incontáveis casos que ocorrem pelo país e que, infelizmente sucumbem ao ostracismo da nossa legislação, a qual ainda não fez algo concreto para impedir que mais e mais “Lorenas” sejam mortas por aí e tenham seus crimes insolucionáveis.
Por causa desse descaso, mais assassinos homofóbicos, covardes e desumanos se proliferam pela sociedade, vivendo clandestinamente a glória de não serem pegos. Na verdade, esses predadores, para muitos, agem como exterminadores, como se a homossexualidade fosse uma praga que tivesse que ser contida. Aniquilando vidas de pessoas honestas, esses monstros contam com o despreparo das delegacias e de leis que criminalizem seus atos. Além da satisfação pública de pessoas que compartilham da ideia de que a homossexualidade é algo demoníaco e antinatural, portanto, passível de controle e “cura”, como se a sexualidade admitisse escolhas ou crenças controversas. Daí percebe-se que o que matou Lorena não foi simplesmente um “ser humano” que, de posse de uma arma, resolveu encurtar a história dessa travesti, mas sim da sociedade como um todo que finge aceitar a homossexualidade, quando na verdade ela pouco está preocupada com as questões vividas pela camada LGBT.
Lorena nos deixou. Foi obrigada a nos deixar. Entretanto não há um vazio na sua partida, mas sim a busca por um preenchimento que deverá ser feito pela justiça, a qual precisa acordar, o quanto antes, para esse crime e tomar medidas drásticas para proteger as travestis, e os gays em geral, da fúria dessa sociedade encarcerada em tabus ancestrais sobre a própria sexualidade. As lágrimas de dor que escorrem dos rostos de amigos e familiares deverão ser compartilhadas por todos aqueles que se compadecerem com este crime, pois não foi à morte de um ser irracional, mas de um ser humano, que foi aniquilado pela intolerância de uma sociedade que está paulatinamente acostumada a banalizar a vida, sobretudo quando esta é de algum homossexual. Portanto, o fim de Lorena deve ser o início de uma luta contra o descaso, o desamor e, principalmente o desrespeito à individualidade humana e suas preferências. O que não se pode é deixar enterrar com ela a chance de encontrar maneiras de salvar tantos e tantos gays que sofrem ou poderão sofrer da mesma barbaridade que diminuiu a existência dessa travesti.
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