Mesmo diante de tanta opressão, vivendo muitas vezes a margem da sociedade, os homossexuais sempre se fizeram presentes na história da humanidade. De estilos, identidades, formas e culturas diferentes, eles foram os responsáveis pela criação de muitas obras primas que hoje são cultuadas e, sobretudo perpetuadas como algo erudito, clássico e de extrema genialidade. Tal fato, no entanto, soa paradoxal, visto que sabemos que a sexualidade desse grupo é hoje utilizada como ferramenta de exclusão, numa tentativa de encarcerá-los num submundo inferior, onde suas contribuições são pormenorizadas ou simplesmente ignoradas. Dito de outra forma, há na atualidade uma relação metonímica inversa, ou pelo menos distorcida, a qual a parte e o todo não formam uma unidade, mas sim subpartes. É por isso que não conseguimos enxergar os indubitáveis legados deixados pelos grandes homossexuais na história da humanidade.
Já na antiguidade clássica, grandes personalidades exerciam práticas homossexuais nas suas rotinas, mesmo que o termo “homossexual” não tivesse a conotação usada atualmente. Platão e Aristóteles são exemplos crassos disso. Pensadores vanguardistas, há quem digam que eles eram amantes já que a relação entre tutores e aprendizes era muito comum na Grécia naquela época. Ambos deixaram profundas marcas na sociedade ocidental atual, com destaque para a Filosofia aristotélica, até hoje estudada a amplamente difundida. Pouco depois, mas não menos importante, outros monstros surgiriam e mudariam para sempre os rumos artísticos da humanidade. Eles são Michelangelo e Leonardo da Vinci, grandes artistas e inventores do século XV e XVI que expressaram nas artes um forte homoerotismo no período renascentista da nossa história. Pelas suas mãos foram criadas, respectivamente verdadeiras pérolas das artes como o famoso quadro, a Monalisa e o painel imponente da Capela Sistina.
Na música, é impossível não mencionar o nome do russo Piotr Ilich Tchaikovsky. Ele que foi responsável por bailados clássicos como Lago dos Cisnes, A Bela Adormecida e Quebra Nozes, estes, grandes espetáculos musicais que são perpetuados pelos renomados centros de dança em todo o mundo, encantando e emocionando plateias. Emoção também vista em alguns escritores que fizeram da Literatura sua válvula de escape para denunciar, ou simplesmente expressar sua realidade interior. Dentre estes um destaque especial vai para o irlandês Oscar Wilde, na sua célebre e polêmica obra “O Retrato de Dorian Gray”, a qual ele trata da arte, da vaidade e das manipulações humanas. Wilde era homossexual e passou por muitos problemas ao assumir sua condição, uma vez que a sociedade da época não estava preparada para tal revelação.
Não diferente das grandes personalidades citadas há pouco, muitos gays fizeram, e ainda fazem parte da história cultural do nosso país. Nomes como Adriana Calcanhotto, Cazuza, Cássia Eller, Renato Russo e Ney Matogrosso são alguns dos que merecem ser pontuados pelo inegável talento e genialidade musical. Suas músicas embalam romances, permitem profundas reflexões e suas vidas, mesmo que curtas e transgressoras, servem de modelo para analisar a essência da vida e a importância de vivê-la com plena intensidade. Outros como o famoso paisagista Roberto Burle Marx; o desenhista e cenógrafo Darcy Penteado; o célebre ator Amacio Mazzaropi; o inesquecível cantor Francisco (Chico) Alves; e os imortalizados autores Olavo Bilac, Mário de Andrade e Caio Fernando de Abreu. Todos foram e são admirados e têm suas obras propagadas por várias gerações. Mesmo que alguns tentem desconsiderar a homossexualidade deles, ela é latente e foi amplamente vivida por esses artistas.
Esses renomados pensadores, artistas e intelectuais, (dentre muitos outros que não se fazem presentes aqui, mas são tão importantes quanto), foram responsáveis por transgredirem normas, quebrar paradigmas e, principalmente por inovar a forma de ver e de pensar de toda uma sociedade. Em nenhum momento a sexualidade deles foi vista ou entendida por eles como um pesar, como uma abominação demoníaca, ou como uma doença. Pelo contrário, a condição sexual vivida por eles serviu de ingrediente preponderante para suas criações, num misto de sensibilidade, sentimento e sexualidade, elementos estes que se fundiram e formaram verdadeiras maravilhas artísticas. Então, porque a sociedade não dá o devido valor aos homossexuais que fizeram e fazem algo em prol da disseminação das artes, da cultura e de uma sociedade mais pacifica?
Simples. O fato de homens e mulheres copularem com iguais das suas genitálias, ainda causa repulsa. Isto porque se vive um modelo sexista focado na perpetuação de espécie e não no respeito aos desejos individuais e na livre aceitação do diferente. Há também uma cultura de “esquecimento” da qual o legado dessas pessoas não é esquecido, mas sim suas práticas sexuais. Muitas pessoas que se dizem homofóbicas cultuam belas canções, quadros e livros de inúmeros artistas, mas não sabem, ou fingem não saber, que eles foram criados por homossexuais sim, e estes nem por isso se tornaram pessoas inferiores ou menos talentosas. Pelo contrário, a sensibilidade quase que inerente dos gays brota dos seus próprios sofrimentos, das suas percepções do mundo e de uma capacidade analítica bem mais profunda que eles possuem em retratar com primazia a realidade de uma forma única, comovente e perfeitamente humana.
Aqui no Brasil, por exemplo, muitas pessoas que se sentem ultrajadas com o comportamento homossexual e usam de várias artimanhas para coibir os direitos desse grupo, agem dessa forma por pura ignorância e hipocrisia. Ignorantes porque preferem perpetuar discursos estagnados sobre a sexualidade humana, como se esta fosse uma escolha individual. Ignorância esta que cega, limita e inferioriza grandes personalidades que poderiam contribuir significativamente para mudar nossas mazelas sociais, nossa corrupção descabida e nossos preconceitos mais infundados. Concomitante a isso, há também muita hipocrisia daqueles que detêm um pouco do conhecimento, mas preferem usá-lo para alienar, desqualificar e humilhar os homossexuais, como se eles fossem uma subespécie da raça humana. O resultado disso é um povo restrito a pensamentos antagônicos, descontextualizados da realidade e, consequentemente imersos num mar de violência, fruto da semente das discriminações semeadas por aqueles que deveriam usar da sabedoria própria para unir e não segregar os “diferentes”.
A sexualidade de ninguém, seja hétero ou gay, diminui a capacidade particular que cada um possui. Nossos talentos não são, ou não deveriam ser medidos pela sexualidade, mas sim pelas nossas qualidades e todos os predicados positivos que formam a personalidade humana. O mundo e o Brasil ganhariam bem mais se enxergassem as pessoas não como meras máquinas de reprodução, mas como indivíduos únicos e indivisíveis dotados de ricas diferenças, as quais não são inferiores nem superiores, apenas distintas. Por isso, se a homossexualidade será um dia plenamente aceita e entendida, ninguém realmente sabe. Talvez nunca seja. No entanto, o que não pode ser desconsiderado é a importância que os homossexuais exercem na sociedade e de como seria difícil viver sem a criatividade, sensibilidade e força de vontade que esses indivíduos possuem em elaborar coisas positivas para melhorar suas vidas e das pessoas ao redor.
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