Penso, logo existo!



As inquietações do homem sempre o ajudaram a transformar sua realidade circundante. Esse mecanismo natural foi determinante para que a nossa espécie sobrevivesse ao tempo e se perpetuasse soberana nessa fauna em constante mutação. Então, a célebre frase do filósofo René Descartes evidencia essa busca por respostas existenciais feitas por esse bicho humano, numa conclusão indubitável sobre a racionalidade e a sua superioridade entre os outros animais. Pensar, de fato, é uma das grandes maravilhas da nossa espécie, quiçá a principal delas. É através do pensamento que os questionamentos brotam e, posteriormente as soluções são germinadas. Acontece que quanto mais pensamos mais próximo estamos das verdades obscurecidas pela ignorância. Nesse sentido, numa sociedade que não privilegia a educação, qual é a vantagem de ser alguém pensante?

É indiscutível que as chaves que abrem as portas do conhecimento estão na educação. O ser educado é capaz de pensar criticamente sobre a vida ao ponto de transformá-la resvalando positivamente na do outrem. No Brasil, porém, esboçar postulados cognitivos ainda se limita a esfera dos grupos sócio e historicamente favorecidos, sobretudo por uma educação de qualidade. Na verdade, a grande massa populacional não tem o devido contato com o saber, servindo de marionete para um sistema ditatorial que se manifesta sob vários prismas, alienando mentes e reproduzindo conceitos arcaicos na modernidade. Essa contraversão acaba potencializando a incivilidade social acerca de inúmeros temas, principalmente aqueles que podem macular a imagem dos que dominam o discurso nessa sociedade opressora e seccionada.

Nesse sentido, quando Aristóteles, por exemplo, disse que “o sábio nunca diz tudo o que pensa, mas sempre pensa em tudo o que diz” tal máxima configura-se numa postura paradoxal na atualidade, uma vez que o que é mais visto entre nós são pessoas que não pensam antes de falar, mas sim se utilizam de discursos nocivos para atacar segmentos sociais. É neste momento que as religiões adentram na discussão. Sua importância para a sociedade é incontestável, pois a fé disseminada por elas é capaz de sacralizar as mais marginalizadas e miseráveis vidas. Entretanto, o posicionamento conservador de algumas delas, com destaque para aquelas de cunho cristã protestante, é usado por alguns angariadores de almas como verdadeiras armas de guerra. Entrincheirados, alguns pastores saem da sepulcral áurea das Igrejas e adentram nas redes sociais para destilar o seu veneno em nome de uma “fé” no mínimo dúbia. Nomes para citar são muitos, mas Jair Bolsonaro, Sílas Malafaia e a estrela do momento, Marcos Feliciano, constatam que é muito fácil manipular as mentes de pessoas que vivem expostas a carência educacional.

Além deles, há de se destacar as figuras políticas desse país. Conhecido como a nação do futebol, do samba e das mulheres exuberantes, nosso currículo também foi acrescido com as palavras corrupção, falcatrua, nepotismo, estelionato, dentre outras que denigrem a tão fragilizada imagem do Brasil. Donos de um pensar que vai além da limitação de boa parte da sociedade, muitos parlamentares usam e abusam da sua inteligência para permanecer existindo perante uma sociedade ignorante que luta contra a subsistência e tenta constantemente (sobre)viver nessa selva onde o homem caça o seu semelhante. Fragilizado e desprovido de armamento intelectual, o povo continua usando o pouco pensar que ainda lhe resta para manter viva a esperança de que as mudanças nesse sentido irão acontecer cedo ou tarde. Enquanto isso, quem de fato possui a mente em constante produção a utiliza em benefício próprio, enriquecendo-se de bens públicos, quando do outro lado à massa amarga a ausência de todos os direitos, inclusive o de pensar por si só.

E essa conduta alienatória infelizmente é potencializada pela nossa sociedade da tecnologia. Canais de tv, sites, jornais e revistas, muitas vezes deturpam a cara de certos assuntos, direcionando o interlocutor a um entendimento errôneo sobre diversos temas. Esta tática, muito comum entre os meios midiáticos, tenta podar uma forma de pensamento, a qual beneficie aqueles que detêm o poder, ou seja, as rédeas da nossa sociedade. Desprotegidos, o povo não é capaz de perceber as artimanhas desses mecanismos comunicativos e acaba inevitavelmente acatando o que foi transmitido. Isso ocorre porque não estamos acostumados a seguir o exemplo de Albert Einstein quanto este disse que “penso noventa e nove vezes e nada descubro; deixo de pensar, mergulho em profundo silêncio - e eis que a verdade se me revela”. Ou seja, quando a reflexão toma conta dos nossos pensamentos, certas verdades passam a ter o controle desse leme chamado vida.

Tudo isso ocorre por causa do maior vilão perpetrado nessa sociedade, a educação, ou melhor, a falta dela. A lacuna exercida por essa ausência tem, de certa forma, contribuído para que a existência dos indivíduos seja minorada a estatísticas e não a capacidade de transformação deles. Vivendo num modelo educacional amplamente tecnicista, o universo do pensar vem sendo paulatinamente reduzido. O descaso com as universidades públicas, escolas, corpo docente e a pseudoalfabetização do alunado corrobora para um quadro de descaso no ensino no país. Hoje, nossa educação se resume a dados noticiados, os quais enaltecem os “avanços” quantitativos do aprendizado, mas escondem a sua inexistente qualidade. Isso acontece porque investir em uma educação qualitativa é dar ao povo a chance de pensar, de ser crítico e, portanto, de ofertar a estes as armas para mudar a própria realidade. Coisa que historicamente nunca fez parte desse país onde o direito de pensar está intimamente relacionado a “status” e posição econômica.

Somos o que pensamos. Tudo o que somos surge com nossos pensamentos. Com nossos pensamentos, fazemos o nosso mundo”. Ao falar isso, Buda não imaginou que a sociedade levaria seu pensamento tão ao pé da letra. Para quem tem o contato com o pensar (leia-se conhecimento) as chances de ser alguém, garantir um futuro equilibrado e de viver bem nessa terra sem lei são enormes. Agora para os outros, a grande maioria da população, resta a incompreensível desigualdade ditada por uma limitação educacional, a qual não permite escolhas apenas estigmas a serem seguidos do início ao fim da vida. Em outras palavras, se pensamos, temos direito de existir, porém quando não pensamos, vagamos pelo mundo sem saber o real sentido da vida, alheios ao bem e ao mal, servindo apenas como presas fáceis para os grandes predadores que sorrateiramente alimentam-se de nós. É por isso que o abismo entre opressores e oprimidos não termina, pois estes últimos são incapacitados de lutar, pois até para arquitetar algo revolucionário o pensar se faz presente; e muitos não contam com isso.

Para existir, no sentido Descartes da palavra, é preciso primeiramente desmembrar essa ideia de que há ignorantes e intelectuais. Na verdade, numa sociedade onde quem teve o direito de pensar pouco faz para mudar a realidade de quem não teve tal direito, não há de fato, inteligência, mas sim ignorância em níveis variados. Nessa dicotomia, uns existem e outros fingem esse papel. Os primeiros são formados pelos ignorantes, pois alheios a tudo e a todos, sua existência é formada a partir do momento em que eles são apassivados pela sociedade. Enquanto isso, os outros não existem, pois mesmo dotados de certa sabedoria, não a utilizam em benefício daqueles que estão às cegas. Disso, pessoas que acabam buscando o conhecimento se confrontam com verdades que sempre estiveram na frente delas, mas que não podiam ser vistas porque elas viviam obscurecidas pela nossa infinita limitação. Dai a necessidade de clarear a mente com coisas que possam nos fazer refletir sobre esse mundo tortuoso que vivemos. Mesmo assim, acredito que vale a pena continuar pensando, por mais doloroso que seja, pois é a partir disso que as mudanças vão sendo feitas e lentamente o mundo vai se modificando. Quem sabe um dia para melhor.

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