A maioridade penal é o assunto do momento. Isto porque jovens criminosos vêm se proliferando pela sociedade brasileira cometendo assaltos, roubos ou até mesmo matando vidas inocentes. Chocados com tanta brutalidade, a população reivindica uma posição mais enérgica do poder público, para penalizar duramente esses indivíduos que cada vez mais cedo entram no mundo da marginalidade. Infelizmente essa postura imediatista só acontece quando barbáries comovem a sociedade, como no caso de Realengo e entre outros mais recentes. Entre eles há um sentimento de descaso, tristeza, mas também a abrupta necessidade de culpar alguém remediadamente. Por não focar na raiz do problema, a redução talvez não seja a solução mais viável para punir menores infratores, uma vez que antes de criminalizar os maus atos cometidos por esses jovens, devemos lembrar que eles são vítimas de uma infinidade de outros crimes já conhecidos por nós, porém sócio e historicamente negligenciados pela sociedade como um todo.
O perfil da juventude brasileira tem mudado ao longo do tempo. Tal mudança é natural, visto que com as transformações sociais, o homem tenta se adequar a essa máquina complexa chamada de sociedade, buscando, pelo menos, sobreviver dentro dela. E isso não seria diferente com os jovens. Desde os transgressores hippies, passando pela jovem guarda e pelos revolucionários “caras pintada” do impeachment do ex-presidente Collor, eles se apresentavam para sociedade ora como protagonistas ora como antagonistas. Mais suscetíveis às mutações modernas, eles voltam a protagonizar o palco nacional, tendo como pano de fundo o espetáculo da violência praticada por eles. No entanto, antes de uma possível punição às vilanias desses infantes, é importante pontuar que a brutalidade dos seus atos decorre de uma série de abandonos e descasos de um país acostumado a resolver seus problemas no calor da emoção e, infelizmente com métodos inutilmente paliativos.
Sempre que ocorre um crime chocante, a sociedade trata logo de buscar soluções imediatistas para punir os “culpados” por tais atos. É o que se pode perceber com o possível plebiscito sobre a maioridade penal. Depois da morte do estudante Victor Hugo, que foi brutalmente assassinado na frente do prédio onde morava, e da dentista Cinthya Moutinho, que covardemente foi queimada viva por assaltantes, a sociedade rediscuti a possibilidade de diminuir a maioridade penal de 18 para 16 anos. É inegável que a barbaridade desses crimes deixa um clima de revolta no ar, o qual ofusca o pensar, levando-o a encontrar caminhos rápidos para que a justiça seja feita. Porém, por mais que alguns defendam a diminuição da idade penal, ela não salvará outras vítimas da selvageria juvenil, nem tem pouco evitará que novos jovens, cada mais cedo, cometam crimes dessa proporção. No máximo, a redução trará uma efêmera e reconfortante sensação de justiça feita, de “dever cumprido”.
Essas sensações logo são apagadas quando um novo caso é noticiado pela mídia. Então, novamente volta-se para o debate enfadonho em torno da penalidade juvenil, como se os governantes e a sociedade como um todo não soubessem as verdadeiras razões que levam crianças e adolescentes a cometer crimes de gente grande. Na verdade, o descaso começa pelo Estado. Numa nação onde as bases políticas são omissas quanto à educação pueril, o resultado não poderia ser diferente: jovens cada vez mais ignorantes, alienados, sem perspectiva de vida e nem de um futuro promissor. Entregues a própria sorte, muitos acabam sendo seduzidos pelo mundo do crime. Outros são impulsionados a ele, pois suas vidas não proporcionavam rotas melhores para sobreviver à fome, miséria e a tantos outros males sociais que transformam homens em bichos. E isso é mais intenso na juventude, porque a inexperiência unida com a ingenuidade e a imaturidade desse período são ingredientes suficientes para fabricar novos assaltantes, drogados e matadores impensantes.
Tudo isso ocorre porque a juventude brasileira vive abandonada ao Deus dará. Sem rumo, ela encontra na marginalidade a válvula para externar seus tormentos. Percebe-se isso tanto no assassinato do estudante como o da dentista. Em ambos, os assaltantes queriam dinheiro ou os bens pessoais das vítimas. Ou seja, sendo ou não para comprar drogas, a atitude desses casos evidencia que o problema em questão não está apenas na redução impensada da maioridade penal, mas sim na recorrente desigualdade social que impera no país. Por mais clichê que seja, é ela a principal pivô de todos os crimes que ceifam vidas inocentes dia após dia no Brasil. Isto porque, mesmo com o discurso em torno da economia aquecida, muitos ainda não fazem parte dessa utópica classe “c” enfatizada nos horários políticos que passam na televisão. Lamentavelmente, muitas famílias vivem sem acesso qualitativo a serviços básicos como saneamento básico, segurança saúde e educação. Esta última, a única capaz de civilizar esses jovens dando-lhes oportunidade de se tornarem cidadãos dignos, nessa terra onde a dignidade parece ter sido esquecida.
Mesmo com esses argumentos, há quem opine a favor da redução da maioridade penal, acreditando que se eles foram capazes de matar, roubar, estão também preparados para assumir pelos seus atos. Tal contraversão opinativa poderia ser válida se o Brasil tivesse um sistema prisional que funcionasse na prática, quando na verdade não é o que acontece. Nos presídios espalhados pelo país a superlotação de celas não aprisiona, mas sim potencializa a violência de homens e mulheres que deveriam estar presos para pagar pelos seus crimes. Entretanto, nas condições desumanas que vivem, eles acabam sendo condicionados a se tornarem bestialidades humanas, as quais, depois de soltas, retornam a cometer crimes tão hediondos quanto os que os levaram as celas. Caso semelhante acontece com os espaços de “ressocialização” destinados a menores infratores. Nesses locais, os jovens deveriam ser reeducados por profissionais competentes e preparados. Da mesma forma que eles deveriam ser acomodados numa estrutura que no mínimo oferecesse as condições necessárias uma possível reintegração social.
Acontece que tanto nos presídios nacionais quanto nas “FEBENS” a realidade é bem diferente. Celas superlotadas, falta de profissionais, alimentação e higienização precárias formam o quadro prisional de quem é retirado da sociedade. No caso dos menores de idade essa falta de estrutura resvala mais intensamente. Como as penas são curtas, logo eles estão à solta na sociedade e muitos voltam a cometer crimes tão bárbaros quanto os de antes. Tudo porque os espaços destinados à reconstrução da identidade civil desse grupo, na verdade se tornou um campo de guerra, ignorado pelo governo e esquecido pela sociedade. Daí quando soltos, despreparados e distantes de uma perspectiva futurista salutar, muitos retornam a criminalidade, já que eles aprenderam forçosamente a sobreviver através dela. E nesse jogo de abandono e descaso, quem ganha é a marginalidade, a qual precocemente tem angariado os seus para sua redoma. E, por outro lado, quem continua perdendo é a sociedade, ora por omissão, já que não reivindica melhores condições de vida para a juventude brasileira, ora literalmente, quando os frutos do seu próprio descaso se voltam contra ela.
E essa relação de causa e consequência, conhecida por todos, só terá um fim quando pararmos de encontrar paliativos e nos debruçarmos em torno da raiz desse problema. Enquanto o gritante abismo social, que separa os endinheirados dos assalariados, existir na proporção que existir hoje, a sociedade continuará a fabricar menores cada vez mais inconsequentes e indomados. E não adianta se agarrar a argumentos como: “se eles podem fazer filhos, podem se responsabilizar pelos seus atos”, ou “se eles matam, merecem ser penalizados por isso”. De fato, a penalização é necessária, mas reduzir a faixa etária para isso, sem uma reestruturação no sistema prisional, é o mesmo que alimentar, educar e preparar criminosos em série, que em breve estarão livres barbarizando tanto quanto antes. Por isso que reduzir a maioridade penal de 18 para 16, 15, 14 anos não vai ser suficiente para resolver a violência juvenil. Ela nasceu na discrepância social, a qual leva meninos e meninas à marginalidade, e ganhou força com o abandono governamental. Sem dinheiro, sem lenço e nem documento, estes pequenos “criminosos” servem de bode expiatórios para os verdadeiros culpados, estes que não estão preocupados em solucionar o problema, mas em encobrir as suas verdadeiras soluções.
Comentários
Postar um comentário