Em grupos, num só coro, a mesma ideologia, corpos e rostos expostos à mercê da própria sorte. Essa costumava ser a imagem de muitos protestos reivindicativos que transformaram o rumo da história do Brasil. Com o advento da tecnologia, houve uma significativa mudança. Agora, no conforto de casa, podemos alardear nossos questionamentos com apenas um clique, assinando, curtindo e compartilhando petições diversas. De fato, tanto a antiga quanto a atual deveriam surtir o mesmo afeito, desde que fossem realizadas de forma consciente e responsável. Lamentavelmente, não é isso que vem acontecendo. Não deixamos de reivindicar nossos direitos, (isso é bom), mas o sonho revolucionário que impulsionava as transformações da coletividade já não existe mais. Em seu lugar pairam, de um lado, o comodismo e a passividade de uma sociedade acostumada a aguardar e não a cobrar. E, do outro, líderes e grupos sócio e politicamente bem organizados, que tiram vantagem da carência do povo. Com isso, protela-se a resolução de temas antagônicos, os quais insistem em desmascarar a verdadeira face atrasada do país.
Quem não se lembra da Tropicália? Para os mais esquecidos, tratava-se de um movimento cultural sobre a influência das vanguardas e da musicalidade pop-rock, tanto nacional quanto estrangeira, e que tinha como perspectiva questionar artisticamente a postura do regime militar no final da década de 1960. Vários artistas, através das artes plásticas, do cinema e da música, (esta última com destaque para Caetano Veloso), esboçaram suas reivindicações e sofreram à duras penas o dissabor de afrontar a nossa “pátria mãe gentil”. Isso resultou em prisões, extradições, pancadas e até mortes, mas a sociedade da época encontrava nas adversidades a válvula para enfrentar toda e qualquer opressão exercida pela camada dominante e, assim, ser ouvida. Nesse sentido, o impeachment do ex-presidente do Brasil, Fernando Collor, poderia ser pontuado como outro grande momento onde a coletividade do povo se fez presente em prol de uma real transformação social. Os “caras pintadas”, como ficaram conhecidos, foram às ruas, exigiram e conseguiram retirar esse parlamentar do poder.
Atualmente, no entanto, as reivindicações ganharam outras conotações. Os jovens não nutrem o mesmo espírito daqueles que revolucionaram o país. Agora, a cara pintada é aquela do fotoshop, das fotos sensuais e parnasianamente belas e jovens que povoam as redes sociais. Dessa acepção, percebe-se que a juventude do século XXI não se preocupa com tanta ênfase nos desafios que a sociedade enfrenta e, por isso, não se posiciona contra, nem a favor, de nada. Quando o fazem, geralmente é na comodidade do lar, com a tranquilidade e rapidez virtual, ou através do anonimato que tais redes proporcionam aos mais “engajados”. Por isso que vemos cada vez menos deles em passeatas e protestos diversos, sobretudo aquelas ligadas a problemas educacionais. Nesse sentido, os movimentos estudantis lutam para permanecerem vivos em escolas e universidades pelo país, porém a verdade é que muitos deles já sucumbiram à politicagem de partidos, que se infiltram na ideologia estudantil para tirar proveito da inexperiência e no despreparo daqueles. Ou, na verdade, se mantém fracos, resistindo dentro dessas instituições apenas por uma questão acadêmica, mas que pouco ou nada fazem para transformar as próprias realidades, quiçá a da sociedade.
É por isso que os atos de vandalismos desse grupo ganham proporções inimagináveis. Desorganizados, muitos baderneiros se infiltram em grandes mobilizações reivindicatórias apenas para depredar o patrimônio público, afrontar a polícia, pichar lojas e monumentos, e nada mais além disso. Fatos como estes estão sendo noticiados constantemente pela mídia. Com a proximidade da Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas, muitos estudantes foram às ruas questionar, em todo o país, o aumento exorbitante das passagens de ônibus e por à prova os gastos do governo como esses eventos, enquanto a nação passa por situações desumanas com os diversos problemas sociais existentes. No entanto, infiltrados nessas mobilizações estão alguns indivíduos que resolvem sabotar a ideologia do movimento, a qual tem como base principal questionar a paradoxal postura do país em garantir direitos para quem de fato necessita deles. Atrelado a isso, a polícia age de forma truculenta com os manifestantes, os quais nem sempre fazem parte do subgrupo sem direcionamento, que insiste em vandalizar os protestos.
A falta de foco é sentida não apenas pelos mais jovens. Os adultos também não se mobilizam para sacudir a zona de conforto, onde foram inconscientemente e obrigados a ficar. Por essa razão é que vemos cada vez menos entendimento desse grupo em torno dos movimentos sociais que ganham as ruas, mesmo sem a presença maciça da população. Marchas e mais marchas surgem, mas a presença da sociedade é escassa. Dentre elas, a Marcha das Vadias e a da Maconha são as mais esvaziadas. Por tratarem de questões polêmicas, acabam intimidando aqueles que desejam se expor em apoio a essas pautas. Na primeira, há um posicionamento benéfico em torno da quebra de tabus e preconceitos (aqueles historicamente construídos e perpetuados pela sociedade) sobre o papel da mulher. A palavra vadia soa aí como metáfora e quebra o rótulo imposto por essa cultura que ora inferioriza a mulher, ora vulgariza a conduta dela, como se para ela só restasse à eterna submissão ao sexo dominante. Já no segundo grupo, o preconceito gira em torno da ilicitude do seu tema. Por se tratar da droga mais consumida no Brasil, a maconha ganhou dezenas de adeptos, de classes sociais e perfis diversos, mas nem todos são capazes de estampar seus rostos em avenidas a favor da erva. Talvez isso ainda aconteça por causa do marginalizada que nevoa tal entorpecente, sobretudo numa nação onde a criminalidade ainda está intimamente ligada a ela.
Nem sempre qualidade e quantidade andam juntas. Se os grupos citados há pouco sofrem com a escassez de exposição, outros têm em excesso, contudo, muitas vezes, a falta de foco de alguns participantes deixa o placar de ambos os lados no zero a zero. As Paradas GLS e as Marchas para Jesus confirmam bem essa acepção. Com muitas cores, tipos e arquétipos, as paradas gays, como são conhecidas, têm como pano de fundo buscar reivindicações contundentes em prol dos problemas vividos por essa comunidade. Num país heteronormativo como o nosso, não é de se surpreender que o preconceito contra esse grupo se manifeste de inúmeras formas. Por isso que a nação desponta entre aquelas que mais matam homossexuais no mundo. Agressões e mortes são os motes que levam, então, diversos defensores a buscar melhorias para essa comunidade. Acontece que até mesmo na Parada Gay, muitos dos seus membros acabam carnavalizando o tema proposto pelo evento, nutrindo, assim, as críticas daqueles que são contrários à causa dos homossexuais. Já nas marchas evangélicas que cada vez mais crescem pelo país, há algo parecido, porém, bem mais perigoso. Por usarem a palavra divina, muitos organizadores acabam semeando visões destorcidas de vários temas e isso não é percebido, pois a fé do povo, muitas vezes, não é capaz de discernir o certo do errado, sobretudo num país hiper, mega, superapegado a religião.
Entretanto, para quem não prefere se expor ao sol e correr o risco de ser agredido pela polícia na rua, resta os meios virtuais para esboçar seus gritos reivindicativos. Para isso, as petições se proliferam na net, levando pessoas diversas a “cobrar” mudanças para inúmeros temas. De fato, a mobilização virtual tem a sua relevância, visto que as pessoas podem, com o alcance e a rapidez desse veículo, chegar a lugares diversos e, principalmente convencer outros indivíduos a participar do assunto pelo qual está sendo tratado. Além disso, as redes sociais têm de certa forma criado um perfil mais crítico entre os internautas. As pessoas estão compartilhando nesses meios, coisas mais sociais, dando oportunidade para que outras se encorajem e participem de determinadas lutas. Mesmo assim, deixar o nome ou a face à mostra não é algo realizado por todos. O temor persiste porque não há uma conscientização prévia da importância que a coletividade exerce, nem tão pouca uma educação subversiva a qual prepare os futuros cidadãos a serem coparticipantes das mudanças sociais. Por isso que a timidez se faz presente em votações virtuais, pois a sociedade teme qualquer retaliação possível, já que no país há muito tempo a voz do povo não é ouvida.
É por tudo isso que não há mais protestos como os de outrora, pois não nos indignamos mais como antes. Se o meio ambiente está sendo destruído, por causa da nossa conduta insustentável, não fazemos nada significativo para reverter isso. Se os políticos eleitos na última eleição estão roubando o dinheiro do povo, nada fazemos para retirá-los do poder, ou pior, depois de alguns anos, votamos nos mesmos candidatos e a roubalheira continua a seguir seu rumo. Se um jogador de futebol brasileiro é vendido para um time estrangeiro, por cifras bilionárias, não esboçamos nenhuma reação, mesmo vivendo num país onde a miséria é mantida através da ração governamental oferecida pelo governo, nas inúmeras bolsas que calam a boca do povo. Se professores, médicos, bombeiros, e tantos outros trabalhadores importantes vão às ruas protestarem, por uma melhoria nas suas condições de trabalho, não damos o devido valor a eles, pois estamos acomodados, a espera de algo divinal que possa resolver os problemas desse grupo. Se o esquecimento e a fome encurtam a vida dos desabrigados da chuva, ou os sertanejos da região nordeste do país, pouco contribuímos para amenizar o sofrimento dessa gente, pois, na realidade, por não saber protestar nem reivindicar nenhuma mudança, deixamos de ser gente e passamos a nos mecanizar. Autômatos, seguimos pela vida como máquinas “caminhando e cantando e seguindo a canção...” da alienação e da desumanidade, ambas que insistem em nos seduzir.
Braços dados ou não, a sociedade pelo menos deveria ter em mente que “sonhos sempre vêm pra quem sonhar”, basta acreditar que a mudança é possível quando é realizada em grupo. Não adianta ficar sentado, aguardando que o milagre aconteça inesperadamente. Não podemos ser tão passivos a esse ponto. Também se a intenção é ir às ruas, temos que nos organizar para que de forma coerente nossa voz seja sentida e a partir dela nossos direitos sejam conquistados. Não é com vandalismo que as coisas são revolvidas, mas com estratégia, foco e uma bela dose de participação social. Sim, temos que sair da nossa zona de conforto e buscar realização para os nossos sonhos, sobretudo aqueles que parecem utópicos, mas que na verdade sempre estiveram ao nosso alcance. No entanto, para dar vida a esses sonhos, muitos de nós devemos entoar versos patrióticos, não só na época da copa do mundo, mas, principalmente quando a saúde não vai bem, quando a segurança é precária, quando a transporte público não funciona, quando a educação é demagógica e em todas as ocasiões de real importância para todos. Isso é ser brasileiro. Isso é bradar coerentemente que “o povo, unido, jamais será vencido”. E, se assim for, indubitavelmente ele será invencível.
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