O beijo é uma das
práticas mais antigas da humanidade. Suas aparições configuram desde a era
pré-cristã, envolvendo o encontro entre os lábios das pessoas em outras, ou em
objetos. Sua significância também é bem ampla. Passa pela afeição, carinho, respeito,
sexo e até os sentimentos ruins como inveja, falsidade, hipocrisia, etc. No
geral, nossos impulsos mais humanos são realizados a partir do beijo, para
enfatizar nossos desejos, sexuais ou não, pelo outro. Com o tempo, porém, esse
ato foi ganhando algumas restrições e, à medida que a humanidade avançava,
novos modos de encará-lo foram sendo tomados. O que antes era carinhoso, hoje
se tornou vergonhoso, sobretudo quando ataca as normas sociais vigentes. Agora,
disso tudo, o que não mudou foi a sua importância, pois ao longo da história o
beijo foi capaz de estabelecer grandes mudanças para toda a humanidade.
Quem não se lembra do
beijo que Judas ofertou a Jesus Cristo. Infelizmente, o mais famoso e lembrado
do mundo não foi realizado a partir de um ato de amor. A traição de Judas
personificou-se num singelo beijo no rosto. Disso, podemos inferir que, mesmo
sendo fruto de uma traição, ele teve a sua importância. Na verdade, ao beijar
desonrosamente a face de Cristo, Judas nos dá um exemplo de como o ser humano
pode ser maledicente, mesmo nas práticas mais sublimes. Como nós somos hipócritas
uns com os outros, beijando indivíduos dos quais nutrimos sentimentos
contrários ao afeto. O beijo de Judas também serviu para a consagração de Cristo
na terra e, evidentemente, a Sua perpetuação ao longo do tempo. Ou seja, da covardia
de um nasceu à ascensão do outro. Beijar, então, nesse exemplo, deixou dois
legados: o de refletir sobre a imensa capacidade humana de falsear seus
sentimentos e, ao mesmo tempo, a infindável soberania do bem sobre o mal.
Maldade essa que também
teve avolumadas modificações ao longo da história. Grandes autoridades do
mundo, que passaram anos se digladiando, beijaram-se em sinal de paz, selando
uma trégua através do encontro entre seus lábios. O fim de uma guerra também já
foi motivo para marcantes beijos ao longo da história. Em 1945, por exemplo, em
plena Times Square, um marinheiro e uma enfermeira selaram um dos mais
incríveis beijos da história, em comemoração ao fim da II Guerra Mundial entre
os Estados Unidos e o Japão. Na época, a fotografia foi imortalizada pela
revista “Life” e sempre é lembrada como símbolo de conquista, sobretudo
levando-se em conta a vitória americana na guerra e a sua soberania mundial
depois disso. Mesmo anônimos, os personagens do beijaço pós-guerra serviram de
modelo histórico do poderio estadunidense, ampliando a força desse país para o
mundo.
Por aqui, faz pouco
tempo que o Brasil se surpreendeu com o beijo gay entre os personagens de
Matheus Solano e Thiago Fragoso, no último capítulo da novela global, amor à vida. Como era de se esperar, a repercussão de dois homens se beijando, em
pleno horário nobre, deu muito que falar, sobretudo para aqueles que encaram
ainda essa demonstração de afeto com estranheza. No entanto, para além da “polêmica” em torno
desse ato, devemos centralizar nossos olhares no personagem principal de tudo
isso: o beijo. Ele que ganha múltiplas conotações de cultura para cultura e suscita
em nós as mais variadas sensações. Entretanto, mesmo sabendo disso, agimos com
profunda ojeriza ao ver a materialização do beijo entre homossexuais, como se
houvesse uma inverdade no ato, ou ainda, como se o beijo estivesse destinado ao
campo exclusivo da heterossexualidade. Por causa dessa “exclusividade”, o país
não avança no combate ao preconceito de gênero e orientação sexual.
Mas, o beijo não é
apenas símbolo de polêmicas. No cinema, ele embala os casais apaixonados, despertando
as mais intensas sensações nos telespectadores que sonham em viver um amor tão
intenso quanto daqueles personagens que se beijam loucamente. O beijo também
pode ser fraterno, como de uma mãe ao acariciar seus filhos com os lábios,
orientando-os para a vida. Beijar ainda pode manifestar um profundo respeito
por quem recebe esse gesto. Geralmente, o beijo respeitoso é direcionado a
pessoas que ocupam posições hierárquicas, como políticos, religiosos, e idosos.
Diante disso, nos perguntamos como intenções tão comuns poderiam mudar o mundo.
O beijo de amor pode desembocar numa grande história romanesca. O beijo materno
pode nos livrar dos males que os percalços da vida nos proporcionam. O beijo
respeitoso pode curar feridas antigas e ainda tornar o mundo num lugar gerido
pela tolerância. Ou seja, o beijo muda a nossa vida, o mundo.
Não tem como não falar
de beijo sem mencionar a clássica obra escultural de Auguste Rodin, denominada
simplesmente como “O Beijo”. Simplicidade esta que se encerra no nome, pois a
intensidade com que foi talhada essa escultura denota a mimética realidade com
que o beijo é realizado entre nós. O aconchego ardente entre os lábios de um
casal apaixonado, que encontra na boca do outro um refúgio perfeito. Beijar,
então, significa tudo isso e não pode ser estigmatizado por preconceitos ou
tabus ancestrais, que reduzem essa prática a determinados nichos. Se há verdade no beijo então que ele seja
concretizado. A história tem mostrado que, para bem ou para mel, o beijo teve e
tem a sua significância. Ignorá-lo significa tangenciar a mudança que a
sociedade inevitavelmente vivencia. O melhor é evitar certos bloqueios e dar
espaço para a mimetização do amor, pois como dizia Drummond “o amor é grande e
cabe no breve espaço de beijar”.
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