Mulher bonita não paga, mas também não leva.


Casas noturnas, restaurantes, táxis. Seja no primeiro encontro, um jantar romântico ou numa balada, é comum vermos casais em tais ambientes, geralmente em comemoração a algo comum a ambos. Tão comum também nesses eventos casuais é a pessoa que paga a conta. Numa cultura altamente machista como a nossa, aqui no Brasil muitos são os casos ainda em que o homem é que deve fazer as honras da noite. Isso acontece, porque muitas mulheres guardaram a herança patriarcal, da qual diz que ele deve ser o cavalheiro em todas as instâncias e ela, como boa acompanhante, deve apenas aguardar que ele exerça seu papel como manda o figurino. Com isso, a discussão em torno da igualdade de gênero perde força, visto que enquanto uns buscam teorias para igualitar os seres humanos, na prática outros caminham na direção inversa a isso.

E por que mulher não paga? Este questionamento é antigo e suscita antigas questões em torno dos fadados temas, feminismo e machismo. O dito popular, de forma ambígua, responde tal questão dizendo que, em muitos casos, a mulher não precisa pagar. Essa não precisão decorre de uma cultura que apregoou nelas uma passividade em todos os sentidos, até na hora de dividir a conta. A rigor, porém, o “cavalheirismo” masculino trata de assumir o papel de pagante, para cumprir uma conduta, uma regra social. Tal atitude guarda intrinsecamente mensagens perversas em torno dos papéis de gênero na sociedade, a partir do momento que confere poder a ele e subserviência a ela. Além disso, ressuscita na sociedade o patriarcado outrora adormecido, quando as fêmeas submissas dependiam completamente dos seus tutores, inclusive no quesito financeiro.

Com isso, muitos estabelecimentos oferecem entrada franca às mulheres, principalmente quando estas são solteiras. É uma forma de atrair rapazes, que possam consumir entre tantas coisas, também as mulheres presentes. Essa objetivação feminina, muito comum em nosso país, não é percebida, pois naturalizamos a postura de muitas baladas e casas de shows que simplesmente dizem que ela não paga e quando paga é um valor inferior ao dele. Nisso, há outra mensagem perigosa que ratifica as perdas e ganhos dos gêneros no Brasil. Infelizmente, mesmo com a ascensão feminina em vários setores, muitas ganham bem menos do que os homens, sobretudo quando exercem funções semelhantes. Ora, então quando ele paga para ela fica claro o poder masculino no quesito financeiro, já que como elas recebem menos devem pagar menos, ou melhor, não pagar.

E essa passiva postura feminina é seguida à risca por muitas. Basta ir a vários ambientes badalados para verificar que elas se submetem a serem iscas dessa cultura machista. Evidentemente que muitas vão, mas por pura inconsciência, exercem esse papel passivo sem ao menos se darem conta disso. Por reproduzir os ditames historicamente estabelecidos, elas se deixam ser pagas por homens que começam oferecendo um drinque, que desemboca num jantar e pode acabar na cama. Neste momento, a questão não se relaciona com a prostituição, pois esta guarda em seu íntimo outras definições e contextos específicos. A mulher em voga não é a promíscua, mas a interesseira moderna, aquela que sai na noite em busca do homem que além de lhe dar carinho, atenção, deve bancar todos os gastos oriundos desse encontro.

Nessas horas, o ditado popular em torno delas ganha múltiplas explicações. “Mulher bonita não paga, mas também não leva”. Realmente, não leva, em partes, pois muitas levam sim: um assovio debochado, uma cantada vulgar, uma alisada no cabelo, uma tapinha na bunda, uma noite de prazer, entre tantas outras atitudes mais ousadas. O que elas não levam para casa é o respeito necessário para sair na noite sem o rótulo de objeto estampado nos olhos de muitos homens e nos letreiros de diversos clubes. Não levam também a autonomia conquistada com muita luta, para pagar suas próprias contas sem precisar da carteira masculina para isso. Sem contar que reforçam nestes locais o machismo operante na sociedade, o qual aparece sempre nessas pequenas trivialidades do cotidiano. O dito popular é perigoso, ainda, por destacar que as “mulheres bonitas não pagam”, ou seja, e as feias? Quem paga por elas? A resposta é simples: ninguém paga, pois não há ninguém disposto a custear a “feiura” de uma mulher.

Entre as casadas, ou com relacionamentos firmes, há coisa caminha de forma semelhante. Muitas não dividem a conta do restaurante, não pagam a entrada dele na balada, nem cogitam a possibilidade de financiar a maior parte do taxi, mesmo que em alguns casos ganhem bem mais que seus cônjuges. Elas foram ensinadas a pagarem menos, quiçá nada. Orientadas pela família a pela sociedade a serem a parte frágil também neste quesito. Sem contar que, do outro lado da moeda, há muitos homens educados de forma semelhante. Eles também são preparados para serem responsáveis por todos os gastos oriundos de uma relação. Não lhes foi ensinado a partilhar, mas sim a pagar. E isso não se resume apenas aos primeiros contados de um determinado casal. Esta conduta se perpetua ainda nos papeis homem e mulher após o casamento, quando ele fica responsável pelo provimento do lar e ela amarga a alcunha de dona do lar.

Felizmente, muitas mulheres subvertem esse papel e custeiam suas saídas na noite, quando são solteiras, sem nenhuma vergonha. Outras dividem sem problema a conta com o companheiro e, em alguns casos, até pagam a parte dele sem constrangimento nem ar de superioridade por isso. Eles, cientes de que é uma divisão e dotados de mente aberta, não se importam em partilhar com elas as contas, até porque se relacionar é compartilhar, desde os sentimentos até as dívidas. Conscientes de que não há uma obrigatoriedade nessa questão, mas sim relatividade, muitos casais conseguem modelar uma rotina menos pesada para ambas as partes no quesito financeiro. No país, por exemplo, já tem muitas residências, onde as mulheres trabalham e os homens, sem tabus, assumem as tarefas domésticas. Isso só é possível quando não se delimita os papéis de gênero, naturalizando a postura de cada um dos elementos envolvidos, sem os ditames impostos pela sociedade.


Por tudo isso, entendemos que homens e mulheres têm capacidade suficiente de se auto sustentarem sem precisar se ancorar no outro para financiar seus prazeres. Elas, em especial, precisam se desapegar dessa cultura submissa que volta e meia insistem que elas são inferiores a eles e, por isso, devem se submeter a determinadas regras impostas pelo sexo alfa. Numa sociedade onde a ascensão feminina ganha mais espaço, é de se esperar que assumam também as rédeas de suas finanças, sem a sombra masculina. Logo, é incoerente encontrarmos mulheres que acham “elegante” a ideia de que eles sempre devem pagar e elas não. O que deve estar em foco é o consenso nessa questão e não a obrigatoriedade. Pois, a partir do momento que homens e, sobretudo mulheres, entenderem seus reais papeis na sociedade, talvez as palavras machismo e feminismo se tornem, enfim, palavras arcaicas em nossos anais.

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