A cara metade não existe


A afirmação inicial que intitula esse texto não poderia ser mais apropriada. Numa sociedade onde os relacionamentos mudaram consideravelmente nas últimas décadas, não é de se surpreender com a inexistente ideia da cara metade. Na realidade, além desta, não temos mais a alma gêmea, a outra metade da laranja, a pessoa predestinada a namorar, noivar e quem sabe casar. Essas formalidades vêm perdendo cada vez mais espaço.

Tudo isso porque poucos são aqueles que buscam firmar um compromisso com alguém. A maioria quer “ficar”, curtir e até compartilhar pessoas, mas não se juntar com ninguém. Então, o resultado disso são indivíduos vazios, vagando em busca de prazeres temporários, ao passo que suas reais carências são abandonadas por uma cultura da qual o individualismo afetou também as relações conjugais.

A priori, é importante mencionar que, com a evolução social,o modelo de família “comercial de margarina” não ocupa o palco central das relações. Numa cultura onde predomina a individualidade, as pessoas se sentem mais a vontade para construir as relações que acharem mais saudáveis para si. Ou seja, o decréscimo das “conjugações” se deu porque não há mais em muitas pessoas a necessidade ou o desejo de construir uma história matrimonial duradoura. Muitos querem/preferem se dedicar as suas respectivas carreiras e/ou projetos pessoais, deixando a questão da vida pessoal para último plano.

A posteriori, cabe pontuar que, com o tempo, as exigências para se ter alguém também foram ampliadas. Se antes muitas vezes um acordo familiar tratava de “arranjar” o parceiro ideal; visto que a mulher não tinha autonomia para tal. Hoje, elas e eles sentem-se livres para escolher a parceria ideal. Tal escolha, obviamente, ainda é regida por segmentos sociais poderosos que impõem o outro lado da moeda para uma vida a dois. Entre eles está a mídia televisiva e toda a sua influência novelesca, musical e cinematográfica.

Nas novelas, os pares românticos criam o enfadonho modelo matrimonial. Nas músicas, ora há a reafirmação do amor romântico propagado pela histórica cultura literária, ora há o descompromisso nesse sentido e a retratação de uma sociedade mais real. Já o cinema é o aglutinador de tudo isso, com seus clássicos e a imposição “hollywoodiana”.  Passível a tudo isso está o telespectador, absorvendo cada uma dessas vertentes de acordo com as suas limitações.

Sobre a parte musical, bem como a cultura de massa inserida nela, vale ressaltar que não há em muitas canções letras que valorizem uma relação duradoura. Nelas, a curtição fica explícita em letras que propagam uma vida bandoleira, regada a muita bebida, drogas ilícitas e sexo sem compromisso. Longe de moralismos, mas é complicado encontrar alguém disposto a arcar de sua vida de solteiro, a qual envolve descompromissados entre indivíduos que aprenderam a ser livres e não querem largar mão disso.

Almas carentes que se unem apenas para saciar os desejos da carne, que são bons, mas efêmeros, enquanto a alma ânsia por uma companhia. Tal carência não se limita a bares e boates. Na internet, os aplicativos de relacionamentos brotam como água e a procura é intensa por estas páginas. A promessa de encontrar alguém é o que alimenta esses indivíduos contemporâneos, que conseguiram tudo: dinheiro, carreira, estabilidade; menos alguém para compartilhar tudo isso.

Nessa atmosfera, engana-se que apenas o tradicional casal, homem e mulher, penem para encontrar alguém para fincar morada. Infelizmente a questão do ninho vai além dos ditames ligados ao sexo, sexualidade, gênero ou identidade de gênero. Obviamente que os casais heterossexuais sejam mais afetados nesse assunto, por estarem no ápice da pirâmide social, onde temas como casamento, procriação e constituição familiar são pilares fundamentais para aqueles que creem no modelo clássico de família.

No entanto, com a reformulação social, outros modelos de famílias foram surgindo e com eles seus dilemas. Ou seja, casais homossexuais também passam pelo drama de conseguir manter uma relação estável. Aos gays solteiros a coisa é bem pior, pois devido à intensa promiscuidade, arranjar alguém disposto a uma vida a dois é quase como achar uma agulha no palheiro numa noite escura.

Diante de tudo isso, parece que a desesperança tomou conta dos relacionamentos humanos. Porém, é sempre bom destacar que mesmo com tudo isso, ainda há pessoas dispostas a manter uma relação estável, independente de ser hétero ou homossexual. O problema é que para encontrar tais indivíduos se tornou uma tarefa cada vez mais árdua nessa sociedade plastificada onde o individualismo tentar controlar até o amor que poderíamos sentir pelo próximo.

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