Não podemos muitas vezes escolher o perfil das pessoas que nos rodeiam. Caso isso fosse possível, muitos dos atritos diários dos quais somos praticamente obrigados a nos engalfinhar seriam evitados. Então, como não nos é facultado o direito de escolha, resta-nos suportar os desafetos das personas non gratas ao nosso redor. Para os mais tolerantes, porém, há a opção complexa de tentar entender determinados comportamentos do outro antes de sentenciá-lo a completa exclusão de nossas vidas. Falo daquelas pessoas briguentas, chatas, aparentemente insuportáveis, que por coisas mínimas criam confusões máximas, atordoando todos ao redor com o seu despautério. Infelizmente, esse tipo de pessoa existe aos montes: em casa, no trabalho, na vizinhança, na Igreja, etc. Então, quando conviver torna-se inevitável, por que não tentar encontrar nesses próprios indivíduos as respostas capazes de justificar tamanho descontrole emocional?
De fato, não é simples dividir o mesmo espaço como seres irritadiços. No geral, são pessoas que perdem as estribeiras facilmente, falam alto, quando não vociferam, são adeptas de gestos exagerados e gostam de chamar atenção. Essas características, sobretudo a elevação no tom da voz, me fizeram refletir a respeito dessa questão. Isto porque, faço parte do time das pessoas que odeia falar alto, tão pouco ouvir uma entonação que soe como balbúrdia. Então, quando alguém se dirige a mim fazendo zoada ao invés de se comunicar civilizadamente, perco instantaneamente o raciocínio, e acabo correspondendo da mesma forma. Pronto, está formado o ruído. Se o outro gesticula em demasia, só é mais um agravo para o elevo da voz. Acho deselegante, grosseiro, e costumo responder com uma frieza hitleriana até que o outro busque seu próprio equilíbrio na linguagem. Porém, de tão rotineiro, parei para analisar essas pessoas com mais afinco.
São indivíduos que encontram rapidamente um motivo para iniciar uma discussão. Em casa, costumam ser perfeccionistas, controladores, exageradamente metódicos. Logo, quando algo está em desalinho, seja um copo fora do lugar, demorar alguns minutos a mais embaixo do chuveiro, ou tardar a levantar da cama, tudo é combustível para brigas infindáveis, falação desnecessária que culmina em bate-boca. Essas situações são típicas em casa. Já no trabalho, os brigões oscilam entre os bajuladores do chefe aos insanamente competitivos. São capazes das artimanhas mais sórdidas para minar nosso equilíbrio emocional. Parece nos testar, nesse sentido. São vaidosos, gostam de estar em destaque em detrimento da humilhação do outro, considerado por ele como inimigo. Na verdade, são pessoas movidas pela hostilidade, como se esse tipo de violência verbalizada alimentasse sua existência. Não são adeptas do diálogo. Pelo contrário, repudiam qualquer forma de conversação cuja emissão dos decibéis esteja dentro do suportável pelos nossos tímpanos.
Há os irascíveis temporários. São pessoas geralmente taciturnas, mas que se transformam em determinadas ocasiões. Quem nunca se chocou com um amigo aparentemente calmo, que após tomar algumas cervejas além da conta, mostrou ser completamente descontrolado, procurando briga até com aqueles que lhe são caros? Quem nunca presenciou uma pessoa perder a razão, alcoolizada ou não, depois de ser contrariada em seu ponto de vista, mostrando ser assumidamente intransigente a opiniões opostas as suas? Quem nunca viu uma pessoa próxima, considerada equilibrada, apta ao diálogo, se deixar levar por um gracejo alheio, entrando em barracos vexatórios, daqueles em que os passantes torcem para que culmine na própria violência física? São incontáveis as possibilidades de acessos raivosos em nossa vida. Muitos deles limitam-se ao mero falatório ofensivo, mas podem desembocar em desenlaces mais duradouros ou até a brutalidades mais graves.
De tanto conviver com pessoas assim, resolvi ir além, ampliando o meu olhar para a minha vizinhança. Por azar, tenho diversos vizinhos que se encaixam nos padrões acima. Os que são casados, dividem os dissabores de suas traições e desavenças com todos ao redor. É um espetáculo cômico de horror. Além disso, brigam com um carro mal estacionado do vizinho, xingam o lixo mal posicionado, reclamam do som alto do cara ao lado, mas não se policiam para falar baixo ou baixar o próprio volume do som nos inúmeros finais de semana de farra. Maldizem a vida alheia como ninguém, mas se descobrem que alguém ousou fazer fofoca de suas particularidades, o barraco está formado. Vivem uma realidade hipócrita, repleta de contradições, mas se blindam por trás de uma couraça carrancuda, da qual usam para hostilizar o outro, porém se julgam imunes ao revide. É curioso perceber, no entanto, que em muitos deles a valentia de suas posturas é mais um mecanismo de defesa, do que propriamente dito uma arma de agressão.
Dessa paupérrima análise feita por mim sobre esses tipos, percebi que, de perto, são pessoas extremamente machucadas pela vida. Seres que tiveram perdas imensuráveis e se empedraram em si mesmos. Por essa razão, não conversam para não terem suas dores reveladas. Mais difícil do que viver com elas é desmascarar suas essências. Se aproximar já é um obstáculo enorme. As pessoas briguentas são fechadas em seu mundo, partilham de poucas ou quase nenhuma amizade. São avessas ao contato íntimo com o outro. Geralmente, afastam até parentes e familiares. Personificam o chato como se alertassem “não se aproximem de mim.” Funciona. Muitas pessoas abandonam esses indivíduos por considerarem impróprios para o convívio social. Nos tempos de exaltação dos egocentrismos, onde o eu é alçado ao patamar de máxima importância, se o outro não vale a pena o esforço, é rapidamente descartado. Daí, ao invés de atenuar o perfil da pessoa difícil, estamos ainda mais dificultando as chances dela de se reintegrar entre os “bons”.
Confesso que ainda tenho pavor de pessoas assim. Todavia, nos casos em que é preciso manter uma relação de convivência com elas, me esforço para entende-las e busco o porquê de tamanha cólera em situações da qual a sensatez poderia entrar em cena. Quanto mais vou derrubando suas resistências, descubro as razões de tanta violência: é o medo. Tememos parecer frágeis nessa selva humana onde, para sobreviver, precisamos nos atacar mutualmente para nos defender e aos nossos. Uns usam da elegância como artifício. Outros, por razões diversas, encontram literalmente no grito as ferramentas para se resguardar. Acredito que a psicologia deve ter uma explicação mais aprofundada sobre esse perfil, do que essa pormenorizada reflexão feita por mim até aqui. De qualquer forma, caso não haja jeito, permita-se vasculhar a pedra bruta que reveste a personalidade dessas pessoas e se surpreenda ao revelar seus lindos diamantes escondidos. Não será fácil. É trabalho de ourives mesmo. Mas, se o convívio com elas for inevitável, valerá o esforço. Você perceberá que dividir a rotina como pessoas difíceis é uma tarefa complexa, mas, antes de tudo, é um convite à evolução, dela e nosso.
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