Trabalhar é inversamente proporcional ao prazer e diretamente proporcional à necessidade. Porém, esta equação pode ser revista quando conseguimos destrinchar o porquê de algumas atividades trabalhistas serem tão maçantes, enquanto outras parecem se encaixar perfeitamente naquilo que sonhamos. De fato, em algum estágio de nossas vidas, questionamos se certas tarefas se enquadram com o nosso perfil, ou se estamos exercendo-as meramente levados pela ausência de outras oportunidades melhores. Enquanto não batemos o martelo, investimos tempo, dinheiro e energias em carreiras desprazerosas, aprisionando-nos às vezes a vida toda em um emprego que não necessariamente valoriza as nossas reais potencialidades. Então, sem perceber, aquela paixão pelo trabalho se transforma em ódio, quando, na verdade, o odioso era o emprego.
Em algum momento das nossas carreiras muitos de nós faz ou passa por essa inversão. Eu sou uma prova disso. Desde quando decidi entrar para a área da licenciatura, fui bem orientado do quão difícil seria me tornar professor numa sociedade que não privilegia a educação. Ciente dos riscos, resolvi arriscar. Deu certo. Continua dando. Mas, há pouco mais de um ano, uma série de projetos, entrada e saída de colégios/cursinhos, colocaram à prova a minha vocação. Tamanho desestímulo me fez conjecturar abandonar a área abruptamente. Não consegui. Após um período sabático de intensa saturação, percebi que o meu problema não estava necessariamente no meu trabalho, mas nos empregos onde eu o exercia. Ou seja, eu passei a odiar o que fazia motivado pelo descrédito dado ao meu fazer, por pessoas que nem eram habilitadas para opinar a respeito do que é ou não adequado de se realizar dentro de uma sala de aula.
Quando a ficha caiu, notei que não era o único. Há muitas pessoas que passam por essa espécie de crise existencial trabalhista. São indivíduos que se veem desmotivados a continuar a exercer o ofício do qual foram preparados a ocupar. Evidentemente que as razões para isso são inúmeras. A principal delas, sem dúvidas, é a falta de reconhecimento financeiro. Por mais amor embutido numa determinada área, é preciso prestigiar o profissional a continuar produzindo e, para isso, valorizar suas potencialidades através de uma bonificação ajudaria a manter aquele funcionário em destaque e cada vez mais apto a por a empresa à frente. Em tese isso é lindo, mas na prática não acontece. Muitos de nós, por mais empenhados e qualificados que sejamos, ficamos insatisfeitos com o invisibilidade direcionada pelos nossos superiores ao trabalho que estamos exercendo.
Então, rebaixado ao patamar de insignificância, nossos talentos passam a se personificar naquele emprego. Logo, quando menos imaginamos, estamos odiando fazer o que antes era de extremo prazer realizar. Em tempos de crise política/econômica, reformas trabalhistas e da previdência, desemprego, suspeito que esse panorama tenda a crescer. Soma-se a isso a enorme competividade, os constantes desvios de função, o crescimento de atividades informais, os longos processos trabalhistas aglomerados na justiça, práticas neoescravistas, tem-se mais ingredientes para frustrar qualquer profissional. Por essas razões, a Geração Z é a mais dinâmica, no que se refere a criação e inserção de novos trabalhos, mas, ao mesmo tempo, é a mais despreocupada com a necessidade de criar uma carreira, da qual fincar raízes durante décadas numa empresa seja o seu ideal de vida. O que esses jovens querem é levar seu amor pelo que fazem ao extremo, não se limitarem a um ramo cuja função pode transformar esse sentimento em ódio.
Eles estão certos. Infelizmente, porém, nem todos possuem essa flexibilidade. A massa trabalhadora, alicerçada em um modelo educacional despreparado para o mercado de trabalho, é lançada a funções degradantes, de parcial ou total subserviência. São empregos com longas horas de labor, com pouco descanso, muita competitividade, em precárias condições de saúde e baixíssimos honorários. Sem muita qualificação, muitos se agarram a essas oportunidades inconscientes dos ônus psicológicos que elas trarão num certo prazo, quando a frustração bater à porta. Os mais destemidos ainda se aventuram em concursos públicos, em busca de uma estabilidade de vida. Não vejo nada de errado nisso, mas não é uma garantia de satisfação trabalhista plena. Significa apenas ter um dinheiro certo todo mês na conta, porém, não impede que dissabores diários venham perturbar nosso sono.
Não raro, muitas pessoas abandonam carreiras promissoras para se arriscar abrindo um negócio próprio, ou simplesmente mudam de emprego, e para surpresa, descobrem que não odiavam o último trabalho, mas a falta de condições oferecidas pelo emprego para exercê-lo. São advogados que resolvem virar chefes de cozinha; executivos que trocam salas de ar condicionado pela liberdade de ter a própria empresa em casa; mais comum ainda são casais inverterem os papeis, com mulheres trabalhando fora e os maridos em casa cuidando dos afazeres domésticos, e tudo bem com isso para ambas as partes; pessoas que conciliam seus cargos públicos com projetos paralelos ligados à arte, cultura e entretenimento em geral, atividades que aliam satisfação pessoal e remuneração extra. São muitas as probabilidades. Pelo visto, porém, em todos os casos, vale mais a satisfação de estar bem com a atividade destinada a ser feita, do que apenas estar assegurado financeiramente nesse sentido. Todavia, quando uma coisa está aliada outra é um atrativo a mais.
Por isso, é tão pertinente saber escolher bem o que se quer fazer. Diante do leque de opções existente, parece que a escolha se torna ainda mais complexa, sobretudo entre os jovens. Entretanto, esse mesmo grupo tem nos ensinado que através da dúvida é possível chegar ao denominador comum, encontrando um trabalho que dignifique nossas potencialidades, e não apenas focado no quesito financeiro. O dinheiro é o resultado do nosso empenho, quando nos dedicamos com afinco a exercer uma determinada função sem focar necessariamente no que receberemos, mas na satisfação de ver nosso talento ser reconhecido. Então, quando isso ocorre, naturalmente seremos bem recompensados. Todavia, para isso, precisamos encontrar o que nos motiva a trabalhar e, em seguida, achar um emprego onde essa motivação será valorizada. Em meio a tanta oferta, bateremos em portas erradas. Mas não podemos sucumbir. Qualquer frustração poderá desacreditar aquilo que acreditamos sermos capazes de fazer. Então, caso o erro seja inevitável, odeie o seu emprego mas não destine o mesmo sentimento ao seu trabalho.
Não desqualifique aquilo que pertence unicamente a você diferenciando-o dos demais, seu talento.
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