Em tempos de feminismos, nossas feminilidades estão cada vez mais sendo representadas. Esse fenômeno positivíssimo já nos trouxe inúmeras conquistas sociais/culturais e até políticas. Estamos caminhando paulatinamente rumo a tão sonhada, mas ainda distante, igualdade de gênero. Dentre as muitas pautas, porém, há uma ainda longe de ser concretizada, a que diz respeito a sexualidade feminina. Somos mães solteiras, possuímos alguns cargos de liderança, temos certa independência financeira, contudo, quando o tema é a nossa sexualidade, ainda há muitos tabus. Aquelas que se atrevem a subverter o padrão “Bela, Recatada e do Lar”, são rapidamente hostilizadas e banidas da convivência em sociedade. São as putas, como dizem, mulheres que não se dão ao respeito, vivendo abertamente suas vidas sexuais, para o desagrado dos mais puritanos. Porém, sob quais perspectivas ser puta hoje diminui alguém, já que a definição dessa palavra reside na máxima de que há mulheres sexualmente ativas, enquanto outras estão aprisionadas em meras convenções?
Tenho um apresso declarado pelas putas. Não me refiro as profissionais do sexo, as quais tenho um profundo respeito e admiração. Refiro-me as piriguetes, esse fenômeno sexual moderno, inconscientemente empoderado, quebrando tabus a respeito das relações sexuais. Possuem uma autonomia desmedida. Falam abertamente sobre suas preferências, recusando os eufemismos sexuais que só são proferidos para suavizar os ouvidos mais pudicos. Elas não se utilizam de enfeites na linguagem do prazer. Afinal, não há nada mais ordinário do que o sexo. Por isso, são de tomar a iniciativa. Determinadas, saem de casa sabendo o que querem, e geralmente conseguem. Seus alvos não são pré-determinados. Como franco atiradoras, miram nos primeiros presas que sucumbirem as suas seduções. São muitos. Variam de homens solteiros aos casados, muitas vezes até outras mulheres e, porque não, casais. Por serem livres de amarras morais, permitem uma gama infinita de possibilidades no sexo.
Daí serem vistas como putas, pois ficou consolidado que mulher precisa ser de um único parceiro, de preferência pela vida toda, atendendo aos seus anseios, depois da casa e, em seguida, dos filhos. Então, quando uma delas foge às regras, é depreciada como piriguete, como se este termo subclassificasse as mulheres decididas no rol das desprestigiosas. Palavra entoada de forma pejorativa pelas mais recatadas, que não entendem a ideologia por trás daquelas pessoas. As mais conservadoras, e os conservadores também, não enxergam para além da libertinagem aparente daquelas moças, como se isso anulasse o todo que há em suas existências. A piriguete é uma feminista por excelência. Sua militância está na sua personalidade indomável. Tudo nela é um convite à reflexão. Por mais despolitizadas que pareçam, não se enganem. Elas estão assumindo o controle de um terreno dominado há anos pelo masculino.
Há quem as veja como simples objetos de desejo. Mulheres fúteis voltadas a festas, bebedeiras e transas sem compromisso. Interesseiras, perigosas, destruidoras de lares, da moral e dos bons costumes. Tudo isso não deixa de ser verdade, mas nem por isso é um problema. Seus perfis de comportamento são o termômetro de uma mudança social, que não pode mais ser ignorada. Hoje, há muitas mulheres que nem se enquadram no molde piriguete, mas recebem este rótulo apenas por recusar o modelo Amélia de ser. São mulheres que questionam a obrigação do casamento até a morte; planejam a quantidade de filhos que querem ter, e se vão ter; não estão dispostas a largar uma carreira profissional bem sucedida em nome de um amor novelesco, do qual as leva para os afazeres domésticos e, sobretudo, não se contentam com um sexo programado, do tipo papai e mamãe, do qual o prazer costuma ser unilateral. Então, assumindo o controle de suas preferências, elas dizem não a isso e vão em busca da satisfação em várias áreas de suas vidas e, por isso, são vistas como putas, piriguetes.
O problema disso está na outra margem do rio. O termo “Mulher Direita” dita toda uma norma ancestral de como as mulheres devem ser apresentadas. É o tornar-se mulher, postulado intrigante defendido por Simone de Beauvoir, que se revela naquela máxima. Direita aqui será toda aquela que seguir um manual de comportamento: feminilidade, delicadeza, fragilidade, obediência, invisibilidade, discrição e, se possível, pureza. Mas a verdade é que elas, as “Mulheres Direitas” muitas vezes reproduzem essa postura mais regrada sem compreender por que estão desempenhando repetidas vezes aquele papel, quando em muitas delas há um anseio de insurgência. Entretanto, a pressão social é tão arraigada que muitas preferem maldizer as outras mais corajosas do que se aliar, ou pelo menos legitimar, suas existências. Por essa razão dificilmente a sororidade entra em cena nas relações femininas, porque se criou um embate entre direita e esquerda, respeitosa e desrespeitosa, valorizada e desvalorizada, sem um real aprofundamento dessas questões. Quem perde com isso? Invariavelmente todas as mulheres. Todas!
Ser puta é ter autonomia sobre o próprio corpo. Escolher com quem quer gozar, dividir o prazer a dois, a três, sem necessariamente está sob o julgo da vulgaridade. Ser puta ainda é ser mão solteira, assumindo a penosa tarefa de cuidar de casa, filhos e buscar o sustento. É também não querer ter uma vida materna. Significa não se apegar a ninguém depois de relacionamentos abusivos, dos quais as violências físicas/psicológicas definiam o que é ser mulher direita. Ser puta é descobrir o prazer por si só, permitir tocar-se, experienciar novas práticas na cama, sem se ancorar na presença de um macho para satisfazer certos desejos imediatos. É se permitir, experienciar, experimentar, nunca se privar. Ser puta/piriguete é ressignificar a moda. É abrir o guarda roupa e se sentir bem de short, calça, saia, vestido, independente do tamanho da peça. Na verdade, precisamos superar o valor atribuído ao nosso caráter baseado na extensão do que vestimos. Ser piriguete é olhar no espelho e se achar linda, mesmo que a moda/mundo nos diga o contrário. Significa excluir de nossas vidas aqueles homens babacas, que nos tratam como meras serviçais, tentando nos inferiorizar.
Percebi, portanto, que não me enquadro entre as “Mulheres Direitas.” Faço parte das ditas putas, então. Não sou casada, nem sei se pretendo ser. Não tenho filhos, tão pouco os quero. Tive vários relacionamentos. Não me privo de fazer sexo casual, se me der vontade. Na falta de alguém, desenrolo muito bem sozinha. Gosto de experimentar outras possibilidades na cama, sem enveredar pelos rótulos sexuais que só limitam o nosso prazer. Odeio afazeres domésticos. Trabalho fora, e muito, então, jamais trocaria minha independência financeira por causa de um príncipe encantado. Acredito em amores, no plural, assim como a vida, mas não nos “felizes para sempre”. Não sou mais virgem, mas se fosse isso não me daria qualquer vantagem perante as outras mulheres. Tenho a feminilidade que me cabe, sem excesso nem frescuras. Essa coisa de “sexo frágil” me cansa profundamente. Obedeço apenas as minhas vontades. Hoje, não me entrego a ninguém limitado, cheio de isso pode ou aquilo não pode. Sou dona do meu prazer, do meu corpo e faço dele o que bem entender, dentro do que considero seguro. Se isso é ser puta, piriguete, não me ofende em nada.
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