Vez ou outra a vida nos
coloca numa posição de vulnerabilidade mesmo cientes de que no existir ora
estamos por cima, ora por baixo. Esse equilíbrio é inevitável, mas a
durabilidade de um desses polos depende unicamente de nossos esforços. No
geral, o lado positivo da vida costuma ser superestimado ignorando que, cedo ou
tarde, a negatividade baterá a nossa porta. Engana-se, porém, quem pensa que
aquilo que consideramos ruim nos chega ao acaso. Boa parte de nossos males são
velhos conhecidos nossos, sabem das nossas fraquezas, espreitam pacientemente
as nossas falhas e se alojam feito parasitas nos recônditos de nossa alma,
arruinando-nos de dentro para fora. A decadência é um desses invasores.
Oportunista, ela espera o exato instante em que baixamos a guarda para nos
reduzir a nada. Então, quando damos conta de sua presença, já estamos sós, com
pouquíssimas perspectivas de mudança e desacreditados da vida. Porém, a
decadência não chega sem avisar.
A priori, quando
estamos em processo de ruína, acreditamos na falácia de que não fizemos nada de
importante na vida e que não há mais tempo para reverter a nossa realidade. É
que a decadência costuma minar a nossa noção de temporalidade para nos
enfraquecer. Funciona. Muitos passam a acreditar que não foram úteis ou que
seus feitos não tiveram serventia e não há mais o que melhorar. Consumidos por
essa ideia de fracasso, vamos nos autoboicotando, a princípio nos acumulando de
atividades para correr atrás do tempo perdido, depois amargurados por não
conseguir realizar todos os desejos, os quais nem sempre são nossos. O excesso
de responsabilidade e a autocobrança também colaboram com a decadência. Vivemos
numa época em que temos que ser perfeitos em praticamente tudo: na escola, no trabalho,
em casa, em nossos relacionamentos amorosos, com os amigos e familiares, dentro
e fora das redes sociais. É um checklist interminável dificílimo de ser
cumprido à risca por todos nós.
Assim, impelidos a
pertencer a todos esses mundos, nos sobrecarregamos de funções, acumulamos
pedidos que não são nossos, ao passo que nocauteamos a nossa personalidade,
anseios, desejos e sonhos, em detrimento da sociedade. Então, quando menos
esperamos, cada um daqueles pilares que não nos representava começa a ruir levando-nos
a decadência. Desse modo, é preciso entender sua atuação frente aos anseios da
vida moderna. Isto porque vivemos numa era em que nos é constantemente cobrado
uma postura comportamental frente as demais pessoas. A felicidade virtual faz
parte dessa cobrança. Nas relações individualistas da atualidade, não ser
extremamente feliz, dentro do modelo exigido pela sociedade, é estar excluído
socialmente. Logo, outra aliada da decadência surge para nos fragilizar ainda
mais, a obrigação. Somos muitas vezes obrigados a pertencer a realidades que
não dizem nada sobre nós apenas para fazer parte do sistema e quando nos damos
conta dessa prisão, vem a tristeza, depressão, a solidão, elementos que
degradam o corpo físico, mente e alma.
Essa série de determinações
sociais vai, aos poucos, minando nossas barreiras. Então, basta um trauma, uma
promoção no trabalho que não veio, uma morte inesperada de alguém muito
especial para nós, uma decepção com uma pessoa de extrema confiança, uma
tragédia, ou qualquer outra coisa, para nos deteriorar por completo. Confinados
em nossas dores a decadência encontra no nosso sofrimento a chance de nos
arruinar por completo. Nisso, ela é extremamente sorrateira por se aproveitar
de nossas incertezas para nos desmoronar. Reduzidos a pó, nos agarramos ao
arrependimento de algo que nem sabemos ao certo do que se trata. É quando entra
em cena a partícula se: e se eu tivesse feito isso? E se eu tivesse escutado
aquele conselho? E se eu não tivesse ido por aquele caminho? Não adianta. Lamentar
os deslizes do passado não vai amenizar as dores do presente, apenas dar vazão
para que a decadência se alastre ainda mais em nós.
Perecendo em um mar de
frustração, costumamos também acusar o outro por aquilo que nos acontece. Não é
uma prática individual, mas cultural. A humanidade sentenciou o desconhecido
para não assumir a responsabilidade pelos seus atos falhos. Logo, quando
estamos em declínio, acionamos essa função humana em nosso DNA para punir todos
aqueles que podem ter uma parcela de culpa sobre nosso estado decadente.
Contudo, mesmo penalizando todos a nossa volta, não é o bastante para nos
resgatar da decadência, que a essa altura já está nos consumindo por completo.
Então, quando recobramos a lucidez, percebemos a tolice que há em não admitir o
óbvio: somos nós que atraímos a decadência para a nossa vida, seja através de
brechas abertas, seja por meio de descuidos, ou ainda pela falsa ideia de
superioridade que insiste em nos nivelar dos demais. Todavia, se você chegou a
este nível de involução, saiba que há como sair dessa realidade e assegurar o
equilíbrio de sua vida.
Basta aceitar que
estamos susceptíveis a tudo. Os dias bons costumam criar uma zona de conforto
nos fazendo acreditar que todos os demais serão semelhantes ou melhores. Porém,
na balança da existência, às vezes o fardo maior recai em nossos ombros.
Precisamos estar fortalecidos para suportar qualquer demanda que vier. E, caso
não estejamos prontos, as invés de culpar o mundo, unimo-nos a ele
arregimentando forças que possam nos auxiliar a resistir. Lamentar pelo que não
foi feito também não é saudável. Só o agora faz sentido. O que se foi deve
ficar onde está. Revisitar o passado apenas quando for para recordar dos breves
momentos de alegria que nos construíram, fazendo-nos chegar até onde chegamos.
Mais que tudo isso, acreditar que nenhuma decadência é eterna, desde que
tenhamos em mente que, semelhante a terra, a vida gira constantemente. O lugar
que estamos agora, por mais decadente que possa parecer, não será eterno, desde
que não esqueçamos de acreditar em nossas potencialidades. Temos muito a
oferecer enquanto houver fôlego, criatividade e fé na vida.
Por tudo isso, não
deixe que a decadência se demore dentro de si. Impeça sua permanência e garanta
que o equilíbrio volte a fazer parte de sua rotina. Aproveite apenas essa fase
ruim para acumular aprendizado e maturidade para enfrentar futuras crises. Até
porque as maiores reflexões da vida são feitas quando chegamos ao fundo do
poço. Lá embaixo, geralmente abandonados, paramos para repensar o que fizemos,
ou deveríamos ter feito, para evitar chegar a tal estágio. As hipóteses não
demoram a surgir, todas miraculosas em sua essência transformadora. Caso
tivessem sido utilizadas antes do fracasso bater a nossa porta, evitaríamos a
derrota. Passado a fase do se, adentramos ao período acusativo, transferindo a
responsabilidade dos nossos erros para terceiros, que até podem ter contribuído
para a nossa derrocada, mas não foram os únicos. Em grande medida, somos os
protagonistas do bem ou do mal que nos acomete. O problema é que ignoramos os
sinais da decadência, por mais claros e visíveis que eles nos sejam.
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