CHAMAS NA AMAZÔNIA, CINZAS DE MENTIRAS E A EXTINÇÃO IGNORADA



         Não é prudente atribuir como recentes as queimadas que estão reduzindo a pó a maior riqueza ecológica da humanidade. Há longas datas ativistas e ambientalistas nacionais e estrangeiros alertam para o crescimento dos focos de incêndio na floresta amazônica, todos motivados por questões inegavelmente econômicas. Porém, o choque atual não se reduz ao alcance da destruição da floresta, que é imensurável - quiçá irremediável - mas a conjuntura sócio-político-cultural que ruma contrário à proteção desse bem nacional. Isto porque, mesmo diante de constatações científicas, dos noticiários televisionados mostrando o rastro de devastação ambiental e o apelo internacional em prol da salvação da Amazônia, há um sentimento de apatia social, fomentado pelo cenário político, ignorando e extinção anunciada daquilo que pode não apenas salvar o Brasil, mas, possivelmente, a sobrevivência humana na terra.
            Na realidade, esse sentimento autodestrutivo avolumou-se com a figura incendiária que (des)governa o país, o incapaz Jair Bolsonaro. Engatilhando discursos ligados a acabar, cortar, destruir, não surpreende que a Amazônia estaria a salvo das investidas aniquilatórias de sua regência. Para isso, como de praxe, o presidente não poupou artilharia para descreditar há pouco tempo estudos geográficos incontestes sobre os rumos do desmatamento da Amazônia, ao passo que enaltecia o setor econômico agrícola como potencializador do crescimento financeiro do país. Ao mesmo tempo, limitou o poder de atuação do Ibama, perseguiu a Funai, colocou alguém contrário a natureza para gerar a pasta do Meio Ambiente, tudo isso visando, evidentemente, favorecer a bancada ruralista do congresso, boa parte dela composta por políticos religiosos em um grande Feudalismo à brasileira. Como a mentira se tornou a plataforma governamental, e a bússola que (des)orienta a nação, muitos preferem as falácias políticas em torno da Amazônia do que encarar os fatos: estão destruindo a nossa floresta.  
            Nesse sentido, parece que o fogo pretende incinerar as maiores riquezas do Brasil este ano. Até onde a minha memória consegue ir no momento, dois patrimônios imprescindíveis à vida foram às cinzas: o Museu Nacional do Rio de Janeiro e a floresta Amazônica. Apesar de dispares a olhos nus, é preciso lembrar que o conhecimento é tão indispensável a existência humana quanto a natureza, sobretudo nesta era onde a ignorância governa a nação - literalmente falando. Porém, inconscientes dessas necessidades, seguimos destruindo tudo o que nos é caro. A vítima agora trata-se da maior floresta do planeta. Apesar dos clamores dos ativistas e ambientalistas, a destruição da Amazônia segue rente rumo a extinção de matas preservadas em prol de interesses políticos/ruralistas descarados, os quais ganharam força na regência imprudente daquele que elegeram para chefe de estado desse país.
         Nem faz tanto tempo assim, os EUA antagonizavam o papel daquele que roubaria o tesouro amazônico das posses nacionais. Há mais ou menos dez anos, o fantasma da internacionalização da Amazônia assombrava todos aqueles que defendiam a soberania desse patrimônio nas mãos de seus verdadeiros donos, os brasileiros. À época, Cristóvan Buarque, quando questionado se tal floresta deveria ser internacionalizada, respondeu provocativamente que caso isso acontecesse, seria preciso que outras riquezas naturais, culturais e econômicas também passassem a pertencer a toda humanidade, citando, entre muitos exemplos, o petróleo, os Museus e o capital estrangeiro. Hoje, o espectro internacional subdividiu-se entre aqueles que desejam a soberania ecológica do país, os Americanos, e aqueles descrentes da capacidade nacional de preservar esse bem precioso a manutenção da vida.
            Em meio a isso, o vilão não é mais de fora, mas daqui. Está no poder tomando decisões arbitrárias que poderão trazer graves consequências à vida de todos nós. Contudo, a burrice é mais devastadora que o fogo que arruína a Amazônia. Numa sociedade onde terraplanistas ganharam visibilidade, qualquer apelo científico é uma afronta as verdades elaboradas por mentes delirantes, construídas a partir de um espectro cultural ultraconservador, limitado, cego por uma crença alienante, a qual retira do indivíduo a sua capacidade natural de pensar e insere nele um dispositivo replicador de boçalidades, muitas delas contrárias a sua própria essência, mas que, por serem solidificadas por um Estado ludibriante, ganham ares de verdade. Logo, apesar da avalanche de fumaça que nublou ou céus de São Paulo, dos vídeos retratando a dizimação da florestas e dos números estatísticos que quantificam o tamanho dessa tragédia, tudo é ignorado, ou pior, minimizado. Enquanto isso, as chamas na Amazônia avançam para a alegria do setor agrícola e das madeireiras ilegais. Dou outro lado do fogaréu seguido pela fumaça, as cinzas de mentiras, nessa era de inverdades legitimadas via twitter, nublam a percepção da sociedade para a gravidade desse problema.
           Assim, a ameaça da extinção, a qual se limitava as espécimes da fauna e flora – algo imperdoável frente a biodiversidade existente em terras brasileiras – pode se voltar contra aquele que se tornou o principal algoz do seu habitat, o homem. Todavia, a mudança sempre é possível. Um levante já está sendo organizado para levar as ruas as reivindicações ignoradas pelo atual governo. Assim, chamando a atenção internacional, o Brasil passe a tomar alguma atitude em prol da Amazônia. Porém, isso ainda é pouco. Precisamos usar as mídias para denunciar o descaso ecológico do país; cobrar mais empenho político para criação de projetos ambientais nas grades escolares; escolher candidatos comprometidos com o meio ambiente, ou, pelo menos com formas sustentáveis de economia; reduzir o consumo de carnes, as quais são as principais vilãs da degradação ambiental; se voluntariar para reflorestar nossas matas; apoiar ativistas; validar as pesquisas científicas, ao passo que desmascaramos a insensatez dessa era de trevas; lutar pelo Ibama/Funai; estar ao lado dos índios. Fazer o que for possível, mas não se omitir diante de mais essa tragédia. Nossa omissão será sentida, como já está sendo.
          O fato de não termos ateado fogo na Amazônia não nos torna menos cúmplices desse crime quando possuímos as armas para impedi-lo e não as usamos.

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