Sou daqueles que
acredita na sintonia do universo. Partindo desse princípio, creio na ideia de
que nada nos chega ao acaso, mas sim que são instrumentos orquestrados por
energias, alheias a nossa vontade, responsáveis por criar novas sonoridades
para as nossas existências. Assim, pessoas que vêm e vão, aquisições materiais,
perdas, ganhos, frustrações, recomeços e términos, tudo isso tem uma razão para
acontecer e mexe com o que há de mais profundo em nossos sentimentos. É
subjetivo, eu sei, porém, nem toda objetividade é capaz de suprir as lacunas
criadas pelos desafios da sobrevivência. Alguns, inconformados com as
inevitáveis mudanças, buscam rotas de fuga na ânsia de resgatar o que se foi ou
encontrar forças para renascer diante do novo. Vale tudo, desde consultas
psicológicas a intervenção religiosa, todas, em suas devidas proporções,
válidas. Eu, além delas, sou presenteado com outro elixir, que me encontra nos
momentos que mais preciso, sempre com o antídoto na medida exata para as minhas
dores: os livros.
O que resenho hoje
remediou feridas antigas cuja cicatrização parecia impossível, trata-se da obra
Só a Gente Sabe o que Sente, de Frederico Elboni. Antes que você destile seu
preconceito contra tal leitura – respaldado pela ideia canônica de que apenas
os clássicos literários possuem tamanho poder – aconselho ir além do elitismo
apoiado em certas opiniões letradas para se permitir aprofundar no raso e,
mesmo assim, conseguir dar profundas braçadas pelos mares complexos da palavra.
Foi isso que fiz. De primeira, olhei de soslaio para este livro com a arrogância
de quem vinha lendo obras riquíssimas do ponto de vista histórico e literário. Até
que, emergindo das minhas limitações, lembrei-me de que qualquer leitura é
enriquecedora desde que estejamos aptos a extrair dela aquilo que nos for útil.
Então, sabendo que o universo tinha me colocado Elboni na minha frente por uma
razão, pedi emprestado esse livro ao meu ex-namorado e, depois que comecei a
lê-lo, não mais o devolvi (sim, sou cleptomaníaco de livros).
Só a Gente Sabe o que
Sente é um entre tantos livros de crônicas, gênero textual do qual gosto muito,
pois consegue aproximar obra e interlocutor de situações cotidianas com o
charme que só a literatura é capaz de nos proporcionar. Sua linguagem simples
já era esperada por mim. Na verdade, eu temia que isso fosse um problema, uma
vez que muitos cronistas pós-modernos pecam pela pobreza linguística como
artifício para prender os leitores menos adeptos a leituras mais “complexas”.
Porém, depois de ler umas duas ou três crônicas, percebi que Elboni simplifica
a linguagem, mas isso não empobrece a essência do que ele diz. Sinto verdade em
suas palavras, nas histórias e eventos ora contados ora desejados por ele. O
leitor, então, acaba por se identificar naquelas vivências e se vê preso numa
redoma carismática de situações tão universais e cosmopolitas dessa nossa
sociedade, a qual cada mais distorce o sentido da palavra relacionamento. Vi como
um livro de experimento, permissividade, mas também de anseios, fantasias,
ingredientes indispensáveis à vida.
Só a Gente Sabe o que
Sente também me cativou pelo título. Aliás, esse artificio nem sempre casa com
o conteúdo escrito, falo isso por experiência de quem teve contato com obras
cujo título não abarcavam a amplitude do texto ou vice-versa. Elboni, porém, me
ganhou também nesse sentido. A frase retórica de sua obra é clichê, por isso
familiar, convidativa, um atrativo a todos nós que passamos por diversos
dilemas, muitos restritos ao campo do pensamento, sem ter chance, talento,
vontade ou oportunidade de externar nossas dores através da escrita. Então, ler
Só a Gente Sabe o que Sente familiariza as angustias do autor com as nossas,
criando um elo muitas vezes impensado, pois, em boa medida, seu livro atende a uma
visão heteronormativa de relacionamento. Contudo, por ser apenas um traço de
suas crônicas, preferi não me ater a esse detalhe, dando oportunidade de ser
guiado pelas outras perspectivas trazidas pelo autor. Logo notei que o que ele
dizia ultrapassava barreiras etárias, sexuais e sociais, falando de temas caros
a todos nós.
Os meus ganhos não
pararam por aí. Como disse nas primeiras linhas, creio no poder da sintonia do
universo que nos rodeia. Dessa forma, há coisas que nos chegam para nos mostrar
a coletividade dos nossos desafios diários. Ou seja, nossas dores não são
nossas, assemelham-se com outras, apequenam-se, agigantam-se, dependendo de
quem se torne o nosso referencial. Contudo, se se diferenciam na proporção,
igualam-se no sentido de existir para todos. É clichê, eu sei, você sabe, mas,
quando estamos afogados em temores, o egoísmo assume o controle fazendo-nos
acreditar que nossos obstáculos são mais difíceis que os dos outros, e que por
isso merecem mais atenção, bem como solução imediata. Nisso também foi benéfica
a leitura de Só a Gente Sabe o que Sente: ressiginificar nossos clichês
diários, atribuindo-lhes algum valor dantes perdidos pelo elitismo da linguagem
ou pelo desenfreado ritmo da vida moderna.
Diante mão, por ser uma
obra curta, não aconselho devorá-lo por inteiro numa tarde. Só a Gente Sabe o
que Sente deve ser lido aos poucos, homeopaticamente, de preferência como coparticipe
de outras leituras. Eu, por exemplo, tenho hábito de ler vários livros de uma
vez - geralmente três - cada um atendendo as minhas necessidades momentâneas. Só
a Gente Sabe o que Sente me serviu de divã, de amigo, conselheiro, amante,
dentre outros adjetivos, todos evocados pelos frissons que me acometiam ao
longo dos dias. Nem por isso veja como se a obra tivesse um quê de autoajuda,
apesar de transparecer pelo título. Trata-se de um bate papo com um cara
apaixonado numa era onde tal sentimento é deliberadamente surrupiado de nós.
Ter contato com esse sentimento me faz reavivar os meus, trouxe aconchego em
noites onde a solidão parecia congelar minha existência e me proporcionou
instantes de calma que eu acreditava ser impossível. Talvez esteja exagerando.
Talvez não seja tudo isso. Porém, Elboni neste livro foi o instrumento dado
pelo universo para atender aos meus anseios. Com você pode ser diferente. Seja como
for, permita-se lê-lo e passe por aqui para dividir comigo a sua experiência.
Afinal, Só a Gente Sabe o que Sente.
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