Após o término recente e
conturbado do meu namoro, tinha decidido dar um tempo nos relacionamentos. Na
época, o pivô da nossa separação foi a mentira, de ambas as partes. Acontece
que a pressão social para estar com alguém alimenta uma carência nem sempre
nossa de preencher o vazio deixado pelo outro com uma nova pessoa. Assim,
depois de encontros mal sucedidos, aderi, por indicação da minha analista, ao
famoso Tinder, pois, diante de tantos relatos, haveria uma chance de achar
alguém bacana por lá. Empolgado, fiz a minha conta e confesso que tenho me
divertido com a experiência de dar “Match”
com pessoas interessantes, geralmente fora da minha caixinha. Porém, para não
repetir os erros passados, resolvi ser o mais honesto possível na criação do
meu perfil, desde fotos, descrição, gostos pessoais e o que mais me representasse.
Iludido, achei que não era o único, mas, depois de uma espécie de DR com um futuro pretendente, percebi
que dizer a verdade nesses aplicativos esfria qualquer possibilidade de
envolvimento.
Não é novidade que a
internet se tornou o celeiro dos mentirosos. Nessa era de pós-verdade,
encontrar na rede alguma veracidade nas informações é uma tarefa de Sísifo. Mais
ainda é conseguir se relacionar com o outro sem a presença de inverdades
convidativas para atrair aquele que se quer ter uma ligação. O que há são
fabulações pessoais consentidas criando um pacto silencioso, mas frágil, entre
duas ou mais pessoas que, quando inteiradas fora do âmbito virtual, percebem a fraude
que há no outro ou em si mesmos. Nesse sentido, mentimos sobre a nossa idade-
geralmente para menos- inventamos profissões, atributos físicos, características
pessoais. Enxertamos adjetivos extras a nossa personalidade, elaboramos frases
de efeito, floreamos um perfil imaginário de nós mesmos para atrair o outro tão
ou mais aparamentado das mesmas artimanhas. Todo esse teatro do absurdo é
estrelado por inúmeros perfis atrás de outros atores para dividir uma cena
mentirosa de uma possível fake vida a dois.
Então, os poucos como
eu dispostos a encontrar alguma genuinidade acabam se frustrando diante dos
simulacros existentes na rede. Digo isso por experiência própria e sei que não
sou nem serei o único. Na odisseia pelo “dating”,
passei por situações constrangedoras, as quais poderiam ser facilmente evitadas
se o outro estivesse inclinado desde o início a se mostrar como é tanto
esteticamente quanto individualmente, assim como ser aberto para receber o
inverso de minha parte. Por exemplo, dos muitos encontros marcados, apenas um
foi interessante. Noutros, as pessoas eram completamente diferentes daquilo que
se mostravam no aplicativo, tanto visualmente quanto na personalidade. Numa
ocasião, fiquei enrubescido quando um cara com o dobro da minha altura e peso
chegou perto de mim cumprimentando-me. Fiquei, a priori, sem reação, porque meu
cérebro não conseguiu captar quem ele era. Após as apresentações, ele me disse
ser o rapaz do Tinder, que na minha
memória era mais magro do que eu e pelo menos dez anos mais jovem. Perguntei porque
ele não se mostrou como é. A resposta saiu em retórica: “E quem faz isso?!”.
Em outro exemplo,
conheci um rapaz cujo perfil muito me agradou. Marcamos um encontro e logo de
cara percebi que ele não era nada daquilo que havia descrito no aplicativo: “Sou amante da leitura, gosto de um bom papo,
amo filmes e séries, sair à noite para jantar ou se jogar na balada. Sou alto
astral, da paz, estou em busca de alguém para dividir os bons momentos da vida
comigo.” Quando li isso, disse para mim mesmo: encontrei meu futuro
namorado. Quando deu “Match” eu quase tive um surto pela tela do celular.
Conversamos alguns dias e tudo parecia bem, até que a máscara dele caiu quando
o questionei sobre a necessidade de nos vermos, aí ele disse filosoficamente: “tudo tem seu tempo...” Retruquei dizendo
que namoro virtual só é viável quando a distância é um obstáculo imposto, o que
não era o nosso caso. Foi o suficiente, o rapaz “alto astral” se mostrou superintransigente, rude, assumiu que
odiava sair de casa e que não sabia se queria namorar. Pensei, oi?! Escorpiano
que só, alfinetei: “Você mentiu desde o
início, então?” Pronto, começou uma DR
pelo zap que hoje me causa gargalhadas, mas que denota algo sério: a verdade
não é um critério para se relacionar.
Ficamos tão preocupados
em conceber um arquétipo equivocado de nós mesmos que não admitimos que alguém,
mesmo que seja um futuro pretendente, venha arruinar o conto de fadas feito
para nos fazer acreditar que somos mais do que aquilo que já somos. O problema
começa com mentirinhas bobas, mas que se agigantam e podem levar a construções
patológicas das nossas particularidades, levando-nos a acreditar que precisamos
assumir uma persona multifacetada para conseguir ser visto por alguém. Disso não
só há a negação das nossas potencialidades, mas também o desrespeito com a
expectativa do outro. Mentimos duplamente nesse sentido. E mentir, apesar do
efeito paliativo, não soluciona nossas dores, só agrava, submergindo-nos em um
mar de ilusões onde o afogamento leva a morte das nossas identidades. Falar a
verdade, dentro e fora das redes, por mais surpreendente que seja, confere
dignidade a nossa história de vida e aquela que pretendemos iniciar com alguém.
Claro, digo isto pela perspectiva de alguém que já usou e abusou do artifício
da mentira e viu as consequências negativas advindas de tais atitudes. A maturidade
ensina que o custo da mentira é alto, mas o valor da verdade é incalculável.
Todavia, na era fake das
relações virtuais, é preferível ludibriar a própria essência para conseguir
fomentar uma versão imaginária de si, desde que esta sirva de atrativo para
angariar outros currículos tão enganosos quanto. Assim, “photoshopa-se” a
aparência, edita-se o caráter, simulam-se preferências, inventam-se idades,
táticas dissimuladas de quem prefere preencher o vazio da solidão a partir de
um pertencimento transitório, ou restrito ao mundo cibernético. No cara a cara,
no tête-à-tête, não há espaço para essas mentiras, por mais bem elaboradas que
sejam. Salvo quando o outro logra dos mesmos anseios falseados. Contudo, no
geral, perfis irreais são facilmente perceptíveis. Tratam-se de máscaras mal
ajustadas à face. Infelizmente, muito provavelmente esse espetáculo de horror,
do qual a genuinidade é vista como vilã, estará em longuíssima temporada nas
redes sociais e, sobretudo, nos aplicativos de relacionamento, pois, nestas
páginas – assim como em toda a internet- a verdade tem sido inimiga do convívio
sensato entre as pessoas. Assim, inseridos nesse mundo, e sem o discernimento
para filtrar suas interferências, optamos por relações mentirosas, sejam com
amigos ou futuros pretendentes, do que abraçar a delícia da honestidade nossa,
do outro e entre todos.
Eu, enquanto isso,
continuo fidedigno ao que sou para atrair o que há de mais legítimo no outro. Não
cederei à mentira nesse âmbito à custa de perder o que me há de mais precioso,
a minha identidade. Respeito, porém, quem prefere usar do subterfúgio da
inverdade para saciar seus desejos. Não julgo ninguém por isso. Só não quero
servir de experimento para as fantasias de quem acredita que a verdade não é um
critério para se relacionar.
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