Quando a diferença mata


“Enfrentar preconceitos é o preço que se paga por ser diferente”. Este pensamento de Luiz Gasparetto sintetiza bem o dilema vivido por aqueles que vivem sobre o estigma da “diferença”. Pessoas que, por diversas razões, não se enquadram nos modelos pré-determinados pela sociedade e que sofrem toda a sorte de dissabores para sobreviverem dia após dia. Nesse sentido, infelizmente a citação dele ganhou altas doses de realidade, visto que quanto mais diferenciado for o indivíduo na atualidade, mais próximo da morte ele estará. Ou seja, se a pessoa não seguir à risca o padrão ensinado e perpetuado pela sociedade, o preço a ser pago é enfrentar o preconceito, o qual muitas vezes resulta no aniquilamento daquele que usou romper os padrões estabelecidos. Dentre os condenados à guilhotina estão os homossexuais, os quais são desde cedo vistos como verdadeiras ameaças à vida e às regras estabelecidas pelos ditos “perfeitos”.

Mesmo com tantos avanços, a sociedade ainda trata como tabu às práticas homossexuais. Ensina-se ainda na infância quais são os papeis sociais que cada indivíduo deverá seguir durante toda a vida. Separando o que é de menino e o de menina, muitos pais acreditam blindar o seu rebento de uma possível homossexualidade. Outros, mais enérgicos, tentam introjetar esse discurso na marra, através da violência física ou verbal. Atormentados, desorientados e temerosos, as crianças sequer entendem o porquê de tanta revolta e, por imposição, aprendem rapidamente a abominar homossexuais, pois assim foram educados. Ou, há aqueles que, por total incompreensão, seguem seus instintos e são penalizados duramente pelos seus responsáveis. A estes os castigos variam. Vão desde espancamentos a rejeição familiar. Foi o que talvez tenha acontecido com o menino Alex, de oito anos de idade, morto há poucos dias.

Ele que não era homossexual, até porque não há como definir sexualidade nessa idade. Era apenas um garoto, como muitos outros, porém, com apenas uma diferença: ele gostava de lavar louça. Num primeiro olhar, tal ato não caracteriza nada de mais, entretanto, numa sociedade que dita o que deve ser de homem e de mulher, assumir que gosta de serviços esteriotipadamente femininos foi o maior erro de Alex. O pai dele, réplica perfeita do machismo e da virilidade estúpida existe no Brasil, torturou esse menino até ele chegar a óbito, porque não admitia ter um filho gay. Lamentavelmente, esse crime não é um caso isolado. Muitas crianças são assassinadas nos quatro cantos do país, por possuírem marcas que diferem daquilo que é esperado pela sociedade normativa. Quando conseguem chegar à idade adulta, vivem como mortas-vivas, perambulando pelas ruas ora dentro do armário, conservadores, pois foram tão reprimidas que não admitem a homossexualidade alheia; ora na forma de homofóbicos violentos, que descontam suas frustrações atacando o seu semelhante.

Tudo isso porque na infância foi criada uma barreira em suas vidas. Carrinho é coisa de menino, boneca é coisa de menina, azul para eles, rosa para elas. Por causa dessa educação limitada, as crianças crescem e se tornam homofóbicas, pois não aprenderam a respeitar as diferenças no seu período de formação. Meninos, então, viram homens brutos, fechados, sem espaço para dialogar sobre a sexualidade, pois eles aprenderam a ser héteros, nos moldes da sociedade, e como machos, eles dominam o sexo. As meninas também carregam consigo as sequelas desse modelo educacional antiquado. Muitas se tornam a dona de casa, a Amélia, apanham dos seus companheiros, são submissas na cama e perpetuam o controverso rótulo de “sexo frágil”. Isso porque foram condicionados a repetir os ditames sociais para serem aceitas. E nesse processo de aceitação, logo alguém terá que ser excluído, é o que sobra para aqueles que não passam nessas etapas, mesmo que nem de longe se tornem homossexuais.

Tal formação humana distorcida tem inúmeros culpados. O primeiro deles é sem dúvida o grau de desinformação da sociedade. Num país onde a educação é tangenciada, não é de se admirar que garotos de oito anos sejam assassinados por gostarem de lavar louça. A ignorância tem levado muitas vidas LBGTs e nada é feito para conter isso. Apenas ensina-se que ser gay é errado e ponto. Não são ensinadas que sexo, sexualidade, orientação sexual e identidade de gênero são coisas completamente diferentes. O segundo ponto que crucifica a homossexualidade é o fator religioso. Num país historicamente marcado pela fé cristã, a bíblia soa como o livro de razão inabalável quando diz que ser gay é pecado. Qualquer segmento religioso tem o direito de expor o que pensa sobre a sexualidade humana, agora não pode usar as suas verdades como verdadeiras armas para inferiorizar os homossexuais. Seu papel principal deveria ser pregar o amor, em todas as instâncias, e não o contrário disso.

Por último, não se pode esquecer a falta de legislação em prol dos homossexuais no país. Por mais que muitas conquistas tenham sido concretizadas ao longo dos anos, infelizmente a criminalização da homofobia ainda é uma utopia. O projeto que visava isso foi arquivado há poucos meses, enquanto mais LGBTs são sacrificados pelo país. Sem proteção legal específica, os gays servem de alvos fáceis para a fúria daqueles que se acham no direito de tirar a vida de alguém apenas porque ela não faz na cama o mesmo que muitos fazem. Pior ainda é a situação das crianças com trejeitos afeminados ou masculinizados. Para elas as leis são decididas pelos seus responsáveis que muitas vezes são carrascos ao ponto de humilhar, torturar e até matar o jovem que apresentar alguma característica fora do “normal”. Sem o poder e o direito de defesa, muitas crianças têm suas vontades reprimidas e se tornam seres humanos com graves dificuldades de se relacionar e, sobretudo entender as diferenças sociais e sexuais.


Disso tudo, o que deve ser revista é a forma como as crianças estão sendo educadas. Não é salutar continuar perpetuando essa ideia de que há coisas de menino e de menina. Quando isso é feito, a família está fabricando possíveis homens machistas e homofóbicos, ao passo que se criam mulheres submissas e estereotipadas. Também é importante repensar o tipo de ser humano que está sendo preparado para viver em sociedade. Não é bacana tolher do infante o direito de conviver desde cedo com as diferenças que ele verá na vida adulta. De forma assistida, é possível mostrar-lhes que muito além dos ditames homem e mulher, há outras multifacetadas questões envolvidas que se referem à complexa sexualidade humana. Não seria uma aula para se aceitar a homossexualidade, mas sim de como conviver com ela com respeito e sem tabus. As crianças precisam desse diálogo para que na adolescência, ou na vida adulta, não vejam seus semelhantes como extraterrestres. Se o diferente é mostrado como humano, logo as crianças entenderão que não há diferenças pois somos todos humanos, iguais enfim.

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