As Vantagens de Ser Homem.



Mesa de bar é um espaço onde as maiores barbaridades humanas são ditas. Recentemente, numa dessas ocasiões, me deparei com três rapazes comentando, negativamente, é claro – sobre uma adolescente de 15 anos grávida de alguns meses. Sordidamente, as opiniões versavam sobre como ela era desejável antes da gravidez e de como ela ficaria “destruída” após o nascimento da criança. “Nunca mais será a mesma”, dizia um, enquanto os outros concordavam. Tentei contrargumentar, mas estava em menor número. Então, resolvi extrair daquele evento alguma reflexão. Na mente daqueles rapazes, estar na condição de mãe precoce não era o problema, mas sim o fato dela não mais despertar interesse sexual devido as modificações corpóreas visíveis. Um deles, com ar de soberba satisfação, afirmou categoricamente: “essa é a vantagem de ser homem.” Fiquei pensando nessa frase e descobri o quão profundo o machismo penetrou em nossas condutas cotidianas, ao ponto de masculinizarmos nossas opiniões, visões de mundo e comportamentos sexuais.

Mesmo discordando das regalias que gozo por ter nascido homem, sei que as possuo e, inevitavelmente, me beneficio delas no meu cotidiano. Talvez o que me diferencie de outros homens seja a consciência de que ter certos privilégios sexuais/sociais não me torna superior ao sexo oposto, embora, em sua maioria, muitos homens fazem o inverso disso, muitas vezes por osmose. Estar numa mesa de bar falando abertamente da atração por uma garota de 15 anos recém iniciada na vida do sexo, sem a censura do julgamento alheio, é, sem dúvidas, uma vantagem masculina. Isso não quer dizer que mulheres não o façam hoje, mas em menor número e sob risco de serem hostilizadas com bem mais rigor. Na verdade, as opiniões sexuais entre homens e mulheres ainda seguem a política da boa vizinhança: a eles é facultado o direito de falar como quiserem, expressar seus desejos e vontades, por mais que se aproximem de práticas assediadoras ou pedófilas. Já a elas, a sutileza nesse terreno deve ser a forma de expressão, sobretudo se há outras pessoas por perto desacostumadas a ouvir intimidades vindas de uma mulher.

Tudo isso se dá pela ausência de um diálogo transversal sobre o sexo e suas variáveis, cujo pano de fundo fosse estimular todos os envolvidos no ato sexual a se empoderar e não se submeter ao que é visto como o mais forte. Não há fortes ou fracos no ato sexual. O sexo não deveria ser posto como um duelo, mas como uma dança da qual o compasso bem ensaiado leva à perfeição. Quando não se faz isso, cria-se realmente um embate, em que geralmente elas levam a pior. Não é por acaso, por exemplo, que a masturbação masculina é incentivada desde cedo, enquanto o inverso não ocorre. A ideia é fortalecer apenas uma das partes do prazer humano, como se as meninas não fossem capazes de encontrar suas próprias zonas erógenas, cabendo aos rapazes a responsabilidade nessa tarefa. Por essa razão, há tantas mulheres casadas insatisfeitas sexualmente, pois não foram educadas a sentir prazer nem tão pouco iniciar corretamente a vida sexual. Frustradas, servem de meros receptáculos do prazer alheio, sem se autoconhecer, ou pior, sobrepujadas as vantagens masculinas.

Deste terreno movediço, onde só elas costumam afundar, os homens saem na frente. A estética é outro benefício de nascer com pênis. A mesma vaidade que nos é cobrada cem vezes menor do que às mulheres. Elas precisam estar em constante vigilância nesse sentido. Da maquiagem, ao salto alto, do peso à vestimenta, tudo é criteriosamente exigido delas para serem aceitas, sobretudo sexualmente. A nós homens, mesmo com a popularização da metrossexualidade, o perfil clássico de macho higienicamente bem cuidado já basta. Por essa razão, muitas se escravizam em dietas, academias, cirurgias plásticas, para atender a esses anseios masculinos. Como toda retórica, o machismo se apropria dessas convenções para sedimentar ainda mais as suas bases sexistas na sociedade, a qual ao invés de discordar passa a legitimar o discurso de que homens são superiores às mulheres, o que resvala em diversas outras práticas.

As vantagens, nesse sentido, são muitas. Homens não menstruam, nem engravidam, tão pouco são impostos a tomar anticoncepcionais. Costumam ser orientados sexualmente mais cedo e com mais liberdade. Descobrem o prazer de infinitas formas, muitas vezes sem sofrer qualquer julgamento ou repreensão da sociedade. No mercado de trabalho, ainda são maioria nos cargos de liderança e recebem mais que elas, mesmo assumindo funções idênticas. Muitos não estão nem ai para a aparência, mas apontam ferozmente as mulheres mais “desleixadas”. Foram educados a pagar as contas, a ser a última voz dentro de casa. A ser macho, viril e outros clichês do gênero. É um checklist vantajoso, quando visto de longe com os olhos do passado. Hoje, porém, só traz desvantagens. Homem não pode chorar, ser sensível, vaidoso, sem receber a alcunha de gay. São péssimos amantes na cama, mas avessos ao diálogo quando são chamados atenção por suas parceiras. Muitos são irresponsáveis com as tarefas paternas, da concepção à gestação. Se acham autossuficientes financeiramente e não admitem ganhar menos que a companheira. Assumir as tarefas de casa? Jamais!

Diante disso, a única vantagem de ser homem que vejo é a fragilidade de um gênero, que precisa usar a força do preconceito do passado para subjugar o outro através da violência física, simbólica e ideológica, mas, no final, esse mesmo “ser homem” é, de fato, o sexo mais frágil de todos. Regrado a muitos nãos, tornou-se escravo da própria ideologia em que foi construído. Vive numa eterna contradição, buscando manter vivo seus paradigmas ancestrais de comportamento em detrimento as exigências da modernidade, a qual tem usado a militância, a politização de certos temas, sua bandeira para se questionar determinadas condutas. Então, ilhado em suas verdades falaciosas, muitos se bifurcam em seus ideais: ou se rebelam completamente ao modelo patriarcal replicado pela sociedade e trazem à tona um novo perfil de homem, repaginado, mais aberto às discussões, sobretudo feministas, dispostos a entender a zona de privilégio em que foram criados e trabalhar para equalizar a questão. Ou faz como a maioria, reluta ferozmente contra essas mudanças, inadmitindo que há algo errado em ser um “homem à moda antiga”, com seus dizeres e práticas machistas mais aborígenes.

Portanto, depois de anos de imposição sobre os papeis exercidos por homens e mulheres, agora a ideia é relativizar esse modelo “Macho Alpha x Fêmea Gama”. Nada mais justo diante dos levantes feministas voltados a problematizar o que sempre foi visto como natural. Como todos os preconceitos arraigados na sociedade, o machismo tem raízes bem profundas, entranhadas em nossa cultura. Não basta podar seus galhos ou arrancar suas ramas, é preciso exterminar as sementes e esterilizar o solo fértil de ignorância onde ele costuma germinar. Para isso, urge educação sexual clara, plural e urgente para meninos e meninas, e não esse emaranhando de conotações distorcidas sobre a prática sexual voltada a privilegiar apenas um gênero da questão. Essa pudicícia antológica é uma das responsáveis por masculinizar nossa visão sobre os comportamentos humanos, criando seres superiores e inferiores, quando, na prática, todos saem perdendo. A meta, então, seria desconstruir o machismo e suas variantes, dando a homens a mulheres a autonomia sobre suas visões sexuais sem o julgo alheio. Isso impediria coisas mínimas como papos sexistas em meses de bar, a outras mais graves protagonizadas em casa, no trabalho, na rua, etc. Todos sairiam ganhando.

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