Vamos falar de sexo




Por mais que se tente exprimir uma áurea libertária, falar de sexo, na sua forma bruta, é ainda um dos grandes tabus da sociedade moderna. Cria-se em torno desse tema um invólucro impenetrável, salvo quando o sexo é discutido sobre o prisma do ato procriativo. É por isso que palavras como anal, oral, vaginal soam, para muitos, como algo imoral, já que o habitual é entrincheirar tais assuntos ao ambiente conjugal, geralmente entre aqueles que praticam o sexo considerado como “natural”. Não falo de amplificar as intimidades feitas em quatro paredes, mas de explorar essa questão antes de encapsulá-la em quartos de casas ou de motéis, para que as pessoas sejam guiadas pela naturalidade desse tema e não por meros discursos dogmáticos que só servem para anular nossos desejos mais humanos.


A polêmica começa quando o foco da questão toca na prática do sexo oral. A boca não pode servir para outros fins, além daqueles convencionais como cantar, comer, falar e articular palavras. Então, quando lhe é facultado o direito de subverter esse sistema, as pessoas criam uma atmosfera de ojeriza, repugnando aqueles que ousam usar a boca como instrumento sexual. Nesse sentido, o preconceito obscurece mais do que um possível recato de alguns indivíduos. A pressão exercida por uma educação, limitada quanto ao sexo, também impede que se conheçam outras formas sexuais prazerosas. Ou seja, se em casa, na escola, o sexo fosse tratado de forma plural, sem limitações, naturalizava-se essas e outras questões sobre ele e, possivelmente haveria menos desconhecimento e aversão a sua prática.




Logo, o sexo oral é sem dúvidas uma das sensações mais saborosas, no sentido lato da palavra, que um casal pode desfrutar nas preliminares. A boca, então, desnuda-se do convencional e percorre o corpo do outro, degustando-o, como se a língua se personificasse numa bússola em busca do elo perdido, de uma ilha onde tudo é permitido, inclusive sentir prazer; e não há nada de desonroso nisso, pelo contrário. Também não é pecaminoso querer dar prazer à pessoa de quem tanto gostamos, ou receber dela reciprocamente. Tanto o homem quanto a mulher devem e merecem se despir de qualquer bloqueio que os impeçam de se sentirem bem sexualmente. Nessas horas, a frase de Lulu Santos, “vamos nos permitir”, é a mais apropriada.

Limitado também é o debate em torno do sexo anal. Visto de forma pejorativa, ele é usado como ferramenta de ofensa, frequentemente em palavrões, para inferiorizar determinadas pessoas ou simplesmente desqualificá-las. Acontece que a sua prática é uma das mais prazerosas do ato sexual. Quem praticou, ou pratica, sabe muito bem disso, e quem ainda não o fez tem uma imensa vontade de violar essa parte do corpo, de conhecer a sensação que ela pode oferecer. Infelizmente, o preconceito ainda é o principal obstáculo para que o prazer nessa região se concretize. Isto porque alguns nutrem um certo nojo em torno do ânus, geralmente pautado no argumento de que ele é apenas uma via de saída. 

De fato, é incontestável essa afirmação biológica, mas para os prazeres humanos, os limites do corpo podem ser ultrapassados, ou, no mínimo adaptados, claro que com os devidos cuidados e com as pessoas certas. Devido a sua popularidade, o sexo anal tem sido praticado amplamente nas relações sexuais. Homens héteros, convictos da sua sexualidade, já se permitem acariciar nessa região, possibilitando conhecer sensações novas na cama. As mulheres também são adeptas, ora por curiosidade, ora para fantasiar junto a seu companheiro (a). Evidentemente que a prática maior ainda é dos homossexuais masculinos e, por isso, o preconceito acaba impedindo que outras pessoas desfrutem desse prazer. Portanto, a sexualidade de ninguém será maculada por causa de um toque, uma carícia ou qualquer coisa do gênero. Para se realizar sexualmente devemos abandonar a palavra preconceito e abraçar outra chamada entrega.


Entrega esta que não precisa necessariamente do outro para que se realizem as nossas fantasias. Às vezes, nós mesmos conseguimos nos realizar apenas conhecendo o próprio corpo, desvendando seus mistérios, suas zonas erógenas. Para isso, dar-se o nome de masturbação, a qual também não escapa do crivo dos moralistas e preservadores das “boas condutas sexuais”. Muito comum entre os homens, seja por uma questão biológica, seja por uma imposição machista-social, ela vem aos poucos se popularizando entre as mulheres. Sim, elas também se masturbam, não com a mesma popularidade, acredito, mas com a mesma intensidade de prazer, quiçá maior. Mesmo com toda a discriminação em torno delas sobre tal liberdade, seria ignorância da nossa parte coibir delas o direito de buscar o prazer através dessa prática. Masturbar-se é saudável para eles e para elas e ainda oferece, na dose certa, os alívios necessários para aqueles que não possuem parceiros (as) fixos (as).

O problema é que, nesse sentido, a masturbação, o sexo oral, anal e até mesmo o vaginal descompromissado, causam o repúdio de muitos conservadores, sobretudo daqueles ligados a segmentos religiosos Cristãos. É tradicional, então, perpetuar a ideia antagônica do sexo com fim meramente reprodutivo, como se o prazer em torno dele se condensasse a gerar uma nova vida. É inegável que fecundar um novo ser está entre os prazeres das relações sexuais, porém, não engloba a totalidade desse ato. As pessoas anseiam por sexo, necessitam dele e mesmo não sendo de importância vital, já que existem alguns que se intitulam como assexuados, praticá-lo é essencial, sobretudo para que o ser humano se sinta bem, e possa desempenhar o seu papel como animal de sua espécie, independente se irá ou não perpetuar uma nova vida. Essa visão reducionista nutrida por muitos é, infelizmente, resultado de uma cultura anacrônica, a qual insiste em reduzir o prazer humano na procriação, como se fôssemos seres autômatos.


                             
O que acontece, na verdade, é que o sexo é muito mais do que apenas um instrumento de fabricação de novas espécies humanas. As pessoas buscam na cópula as sensações que só o outro pode proporcionar. O cheiro, o beijo, o toque, a penetração, a boca naquilo e aquilo na boca. Labaredas humanas a queimar seus desejos, sem medos nem pudores. Pessoas livres, ou vivendo momentos de liberdade, instantes únicos onde às convenções, os dogmas e os princípios desocupam seus corpos e dão lugar a paixão, em todo o seu esplendor. E mesmo que muitos encarem isso de forma desonrosa, desavergonhada ou imoralizada, nada mais é do que o humano que habita em cada um de nós em busca de uma liberdade que é possível, basta apenas se desprender das garras do preconceito e se entregar ao sexo, este que é, indubitavelmente, um dos mais intensos prazeres das nossas vidas. 


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