Os Fakes e a Nossa Intensa Preocupação com a Vida Alheia.



Que as redes sociais estão cheias de perigos, isso todos nós já sabemos. O grande desafio agora é lidar com aqueles proeminentes, aparentemente inofensivos, mas que podem nos causar profundas dores de cabeça no futuro. Falo dos “Fakes”, páginas virtuais criadas por pessoas desocupadas, destinadas a vasculhar a vida alheia no sentido mais literal da frase. São os bisbilhoteiros da rede, compromissados em adicionar aos seus perfis todos aqueles que precisam ter seus passos milimetricamente vigiados. Muitos desatentos, acabam aceitando os convites desses fofoqueiros de plantão, caindo em suas armadilhas. Mesmo não sendo uma prática nova, tem se mostrado cada vez mais constante, sobretudo com a popularização do “Fake News”, expressão usada para designar a disseminação de notícias falsas na internet para fins duvidosos. Mais que isso, a proliferação de perfis falsos denota que a nossa preocupação com a vida alheia foi ampliada em vários gigabytes, criando indivíduos maldizentes e inescrupulosos.

Por estar conectados à grande rede, somos susceptíveis a receber convites virtuais de pessoas que nem conhecemos. Aceitá-las é uma decisão que cabe somente a cada um de nós. Eu, porém, me reservo o direito de não aceitar, por motivos óbvios: não posso ter em minha rede social indivíduos desconhecidos, em perfis claramente duvidosos sem qualquer conexão comigo, apenas para angariar seguidores. Não julgo quem faz o contrário. Porém, no meu caso, para ter uma mínima interação virtual, é preciso, pelo menos, haver algum contato no mundo real que justifique aquela aliança recém feita. Sem isso, não vejo sentido em manter elos com pessoas com as quais nunca vi pessoalmente. Entretanto, mesmo assumindo essa postura mais cautelosa, não estou imune de receber os constantes convites de “Fakes” dispostos a me adicionar de qualquer maneira. Minha resiliência e necessidade de estar conectado me fazem excluir todos com a mesma insistência com que me adicionam. Se não fosse pelas exigências da minha vida, teria excluído de vez as redes sociais para evitar esses desprazeres.

Todavia, sei que não sou o único irritado com isso, preso ao comodismo imposto pela tecnologia. Somos muitos nessa mesma situação. Então, resolvi entender essa praga que assola o meu perfil. Em sua totalidade, as “pessoas” que me adicionam criam páginas que se dividem em perfis com homens ou mulheres sarados, como se a boa aparência fosse um subterfúgio para qualquer internauta aceitar alguém em suas contas privadas. Pelo visto é, pois muitas dessas páginas possuem outros “Fakes” elaborados com o mesmo padrão de beleza. São réplicas de um desejo reprimido no mundo real personificados por meio de fotos alheias, expondo um ideal de vida desejado pelo real possuidor daquele perfil. Então, para mascarar sua frustração, ele/ela rouba a imagem do outro de quem idolatra e passa a criar uma pseudoimagem virtual mais falsa do que o próprio “Fake” em si. Ou, quando não é o belo, é a representação de outras pessoas, no geral pobres, negras e de origem africana, apelando para o sentimentalismo de quem está do outro lado da tela, quando, na verdade, a ideia é fuçar a vida alheia.

Há também os “Fakes” mais apelativos ainda, que deixam de lado o padrão estético e a desgraça humana, para invocar nossas carências sexuais. Assim, fotos de mulheres e de homens seminus em suas apresentações de perfil servem de atrativos para os mais lascivos. É outra tática de grande sucesso desse público, pois tenho amigos próximos que seguem páginas dessa natureza, apenas porque há fotos sensuais de mulheres em posição provocante, mesmo estando cientes de que aquele perfil não é verdadeiro. Disso, depreende-se outra questão: será que as pessoas, as quais têm suas imagens extraviadas de suas reais páginas, sabem que suas fotografias estão sendo veiculadas em outras contas para atrair seguidores desconhecidos e, o pior, que tal utilização indevida serve de escudo para encobrir pessoas de índole duvidosa, dispostas a tudo para saber o que acontece na vida de um outro desconhecido através dessas plataformas falsificadas? Acredito que não. Tão pouco esses charlatões estão cientes das implicações legais imbuídas em suas ações, caso os reais proprietários daquelas imagens descubram seu uso inapropriado.

Mas, voltando a bisbilhotagem, essa é a real pauta de quem resolve criar uma página virtual com imagens e nomes fictícios. São familiares investigando a vida de outros familiares, parentes, membros da mesma esfera domiciliar. Companheiros e companheiras, desconfiados de possíveis traições, sondando o nível de lealdade de suas parelhas. Vizinhos tomando conta da vida alheia, como se no mundo real já não fizesse isso com muita eficiência. Patrões traçando o perfil dos seus funcionários a partir do que é publicado, ou recusando determinados candidatos por causa do que é postado na rede. Além dos inescrupulosos, que vasculham nossas páginas afim de procurar qualquer deslize capaz de nos colocar em maus bocados dentro e fora da rede. As pessoas são diversas, nesse sentido, bem como as suas intenções, nem sempre positivas. O que elas trazem em comum é a preocupação demasiada com a vida alheia. São fofoqueiros virtuais. Precisam saber tudo sobre o outro a partir daquela perspectiva e, a posteriori, traçar mais juízos de valor (negativos, é claro), sobre o que se viu.

Muito me espanta não haver ferramentas mais eficazes nas próprias redes sociais para excluir estas páginas propositadamente adulteradas. Se não há, deveriam ser criadas o quanto antes, para evitar mais dissabores em um espaço onde o entretenimento deveria ser o principal foco. Aí alguém pode afirmar “mas saber da vida alheia é divertido!”. Divertido para quem? Uma coisa é você se expor livremente em suas páginas pessoas, sabendo que há um mundo todo visualizando o que você publica, mas não há uma preocupação pessoal com o que pode resvalar disso. Como disse antes, cada um tem o direito de usar suas redes sociais da forma que lhe convier. Entretanto, há um abismo quando somos constantemente assediados por pessoas desconhecidas a adentrar em nossas páginas privadas, como se houvesse uma intenção maior por trás dessa simples ação. Antes de me chamarem de neurótico, sei que uma das intenções dessas novas mídias é conquistar novos amigos, fazer alianças, as quais não precisam ser necessariamente com pessoas conhecidas no mundo real. Porém, para esta opção, há a alternativa “seguir” e não “amigo”. A primeira mantém uma distância teoricamente segura da segunda, isso quando o perfil não é escancarado permitindo o acesso geral.

Para quem tem muitos “amigos” virtuais, assim como eu, isso torna-se uma ameaça, sobretudo quando usamos das redes sociais como ferramenta de trabalho. Não temo qualquer rebordosa, porque não tenho nada a esconder. Minha inquietação consiste no total descaramento em elaborar um perfil fictício apenas para averiguar como anda a vida alheia, suas alegrias e desafetos. Da desocupação à doentia necessidade de maldizer a realidade do outrem, ou ambas ao mesmo tempo, somando a esse novo modo de difundir desgraças através da rede, espalhando informações falsas, distorcidas e/ou alteradas, por pura e simples maldade. É nessas horas que percebo, que mesmo avançando a passos largos na questão tecnológica, somos tão ou mais primitivos que nossos ancestrais no que se refere ao convívio minimamente respeitável entre as pessoas. Infelizmente, essa prática não tem dias contados. Haverá cada vez mais “Fakes” sendo criados, para fins diversos, tentando penetrar na nossa já excessivamente acessível vida virtual. Aos mais teimosos como eu, não há muito o que se fazer. É continuar excluindo convites desses impostores numa eterna quebra de braço. Por enquanto, estou levando a melhor.

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