Certas épocas em nossas
vidas determinam o curso de nossa história. De tal premissa, depreende-se uma
verdade incontestável, embora, na adolescência, mais precisamente em sua
transição, haja maiores movimentos de corpo, mente e alma-, que noutras etapas
humanas. Talvez também isso se dê devido ao turbilhão de sentimentos que nos
eleva, todos alheios a nossa vontade, em boa medida, contudo, contributivos a
formação da nossa personalidade. Em meio a isso, percebi que Amiga Genial, de
Elena Ferrante, transcorre por essas águas nebulosas onde a juventude navega à
deriva, mas também nos precede uma história de convivência, descobertas,
alianças, dissabores e transformações para além dos ímpetos hormônicos da
adolescência.
Enquanto obra, Amiga
Genial possui algumas características semelhantes a Dias de Abandono do ponto
de vista estrutural, embora este último tenha um detalhe a mais o uso falarei
logo adiante. Afora isso, o livro é disposto em parágrafos curtos os quais dão
uma fluidez a leitura. A escrita envolvente de Ferrante é outro detalhe a ser
mencionado: o cuidado vocabular, sem preciosismos desnecessários nem
empobrecimentos pretensiosos. Tudo o que está ali está por uma razão, e é
compreensível numa leitura não tão atenta. Chama atenção ao artifício do
título. Este aparece uma única vez em todo o livro, um recurso da autora para
que Amiga Genial seja entendida por si só em sua narrativa. Funcionou!
A priori, as primeiras
páginas me deixaram aflito pela quantidade de personagens, bem como a descrição
de cada qual no enredo que iniciara. Juguei precipitadamente que aquilo poderia
turvar a compreensão do todo, que conflitaria a história ao ponto de figurar
negativamente qualquer interpretação. Contudo, infelizmente, estava enganado.
Ao longo das páginas, todas aquelas pessoas conseguiram alocar-se no enredo sem
confundir este raso leitor, graças a forma, reitero, precisa da escrita de
Ferrante. Ainda no quesito estrutural, Amiga Genial tem um ritmo com poucas
variações, apesar de instigante. Começa morno, complacente e depois ganha nova
temperatura, mas nada quentíssimo a se intitular com clímax. Vou classificá-lo
como semi-quente, mas ainda incorrerei a imprecisão.
Continuo a me
impressionar com a capacidade de Ferrante em dar roupagem elegante a enredos
batidos. Neste, a história de duas amigas, aparentemente distintas em
personalidade, se desenrola da infância, perpassa a adolescência e beira os
primeiros degraus da vida adulta delas. Entrementes, os conflitos que as
envolvem são conhecidíssimos de todos nós, embora, guardada as devidas
proporções de tempo e espaço, (a história se passa em Nápoles em meados dos
anos 1950), tudo redimensiona para um clichezão, desfeito pela construção
linguística de Ferrante, a qual não nos deixa brecha para criticar, tão pouco
encontrar indícios claros de que o clichê está presente, mesmo estando ali
desde o início.
No entanto, ao retomar
Dias de Abandono, meu primeiro contato com Elena Ferrante, é impossível não
fazer comparações, mesmo ciente de que Amiga Genial inicia a tetralogia que
certamente lerei mais adiante. Por ora, compararei o que senti em abundância em
minha primeira leitura de Ferrante e senti falta aqui: o traço psicológico dos
personagens. Lá, mesmo distante de mim em enredo, a narrativa me prendeu
loucamente, ao passo que, em muitos instantes, senti a dor daquela personagem
abandonada pelo marido. Esse quesito imersão ocorreu também em Amiga Genial,
mas em menor proporção, embora, devo admitir, sua história é bem mais próxima
da minha realidade.
Nesse sentido, é
preciso destacar o quão envolto eu fiquei ao ler diversas passagens da vida de
Elena e Lila. De cara, me vi transfigurado em uma das partes, porém, ao longo
das páginas me vi transplantado nas duas, o que me inquietou. Talvez tenha sido
este outro recurso de Ferrante, não criar mocinhos nem vilões, mas humanos em
seu maniqueísmo mais puro, a adolescência. Por isso me permiti regressar a
minha juventude quando, em boa medida, fui Amiga Genial de alguém e também seu
espectador, nem sei mensurar o quanto de ambos, é nem vem ao curso. O que
sucinta é o regresso a essa época quando as descobertas pouco tem espaço para
serem experimentadas e são rapidamente suprimidas pela ânsia da vida adulta.
Seja como for, Amiga
Genial é um bom livro, mas não é o melhor de Ferrante, como apregoa os
muitíssimos críticos da internet. Na minha incipiente opinião - passível é
aberta à discussão - Dias de Abandono é mais impactante. Todavia, precisarei
ler o restante da tetralogia para legitimar essa minha precipitada colocação.
Conquanto, volto a reafirmar isso, é preciso ler Elena Ferrante. Primeiro
porque ela desconstrói aquela menção elitista de que a literatura contemporânea
é pobre, por essa visão generalizante, perdemos leituras agradáveis como essa.
Segundo porque é no mínimo interessante ver o malabarismo - e não leiam isso de
forma pejorativa - que a autora ressignifica os nossos clichês. Por último,
após ler Amiga Genial ou melhor, Ferrante, certamente, com doses peculiares de
empatia, teremos o prazer da retomada as nossas bases por meio de uma leitura
mais leve.
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