Deixa para depois


O homem de hoje carrega nas costas o peso do progresso. Constantemente obrigado a avançar, ele vive sob a responsabilidade de sempre fazer o melhor, de construir um futuro promissor para si e para os demais que o rodeiam. No entanto, essa função que lhe foi incumbida nem sempre é cumprida à risca, visto que as barreiras da globalização acabam impedindo que determinados problemas ganhem visibilidade e, consequentemente uma solução imediata. Na realidade, vivemos num modelo social procrastinado, ou seja, acostumando a adiar a resolução de assuntos importantes e supervalorizando a execução de outros que poderiam esperar de verdade. Nessa atitude bifurcada, a sociedade é guiada para dois caminhos: o da artificialidade, onde o faz de conta predomina e todos fingem que vivem bem e felizes. E, por outro lado, o do esquecimento, rota que nos leva aos nossos reais problemas, aqueles que insistimos em esquecer, ou mascarar, mas que estão vivos, pulsantes, como as batidas dos nossos corações, esperando apenas por uma solução definitiva.
 
O meio ambiente é o maior exemplo a ser citado a respeito dessa temática. Devastado pela fúria do progresso em várias partes do mundo, ele geralmente tem a solução dos seus problemas deixada de lado. Dito de outra maneira, nós não estamos verdadeiramente preocupados com o futuro do planeta e nem tão pouco intimidados com as previsões cataclísmicas dos renomados cientistas dessa área. Isto porque, caso houvesse uma real preocupação com o nosso hábitat, não sujaríamos ruas, nem poluiríamos o ar com a fumaça tóxica de carros e indústrias. Também não destruiríamos florestas, obrigando os que ali residem a viverem em pequenos redutos ou quando não expulsá-los desses ambientes, extinguindo animais que vão ampliar a já grande lista dos que são raros, e eliminando árvores que demorarão décadas para crescerem novamente.
 
Nesse rastro de destruição, o homem de hoje também tem posto de lado coisas valiosas como caráter e a honestidade. A política, por exemplo, segue seu curso de desonestidade e o pior, de descompromisso com as causas daqueles que investiram o voto em pessoas que se comprometeram em servir ao bem do povo. No Brasil essa nebulosa prática é popularmente conhecida como corrupção e já se tornou banalizada. Se isso, então, já é verídico, por que o povo não se mobilizou para reverter tal quadro? Porque, infelizmente estamos acostumados a esquecer das falhas cometidas por muitos políticos e deixar para depois a devida punição destes. Nisso uma grande bola de neve se formou e até hoje nada foi feito de verdade para detê-la. Tanto que, o povo que aqui reside, pode até não acreditar mais em certas promessas, mesmo assim, não são capazes de votar de forma consciente, no intuito de transformar esse humilhante cenário.
 
Disso, outras coisas cruciais para a vida em sociedade acabam sendo postergadas, porque lamentavelmente não há uma real intenção de mudança. O nosso tripé pode servir de exemplo para isso: educação, saúde e segurança. Incansavelmente devemos reiterar a importância dessas instâncias, pois são elas que regulam a normalidade da nossa vida em sociedade. Entretanto, adiamos as melhorias nesses serviços essências, quando não cobramos que os nossos representantes legais cumpram o seu papel de garantir que os nossos direitos sejam efetivamente realizados. Ou seja, escolas em maior quantidade, atendendo jovens e adultos de todo o país com qualidade e compromisso com o saber. Policiais estruturados para proteger o povo da criminalidade, esta fruto de uma nação desigual e mergulhada na violência. E espaços hospitalares dignos de atenderem pessoas, não esses prédios que estão em vigor, os quais o ambiente animalesco assustaria qualquer espécie irracional.
 
Diante de tanto descaso, o homem moderno vai adiando a solução dos problemas causados por ele para as futuras gerações. Logo, a nova sociedade que se formará, possivelmente receberá como herança um mundo poluído, com florestas devastadas e animais extintos. Em se tratando do Brasil, eles receberão um país marcado pela desonestidade politica e pela absurda divisão de renda que culmina nas rançosas mazelas sociais. Herdarão também serviços públicos defasados, com escolas tecnicistas, descompromissadas com a formação do aluno pensante. Serviços de proteção ao povo voltado para as camadas mais abastardas, esquecendo-se que os que mais precisam ser protegidos são os grupos sócio e historicamente desfavorecidos de direitos. E hospitais cada vez mais lotados, incapazes de prestar um serviço de qualidade para a grande massa da população que não pode arcar com um plano de saúde decente.
 
Tudo isso, e muito mais, acontecerá se continuarmos a adiar a resolução dos nossos reais problemas. Se não encararmos de frente a responsabilidade, individual e coletiva, sobre a vida da qual estamos semeando, estaremos legando um mundo destinado a banalidade e ao esquecimento. Um ambiente insalubre se instalará, caso não assumirmos a responsabilidade pelos nossos atos agora. Por isso, conscientizar-se de que ainda há uma chance, mesmo que diminuta de mudança é o primeiro passo para transformar nossa realidade. O segundo é pontuar esses e outros problemas, tirando-os da lista do adiamento e colocando-os como objetivos prioritários que devem ser urgentemente solucionados. E por último, alimentar dentro de cada um de nós o espirito de esperança, ou seja, ter uma perspectiva otimista de que, mesmo com o poder de destruir tudo por onde passa, o homem é capaz de refazer os seus danos e criar um mundo do qual a qualidade de vida de todos esteja realmente em primeiro lugar.

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