Amor e ódio, céu e inferno, claro e escuro, Deus e o Diabo, brancos e negros, héteros e gays, religiosos e ateus, homens e mulheres. Percebe-se que a construção da humanidade foi sedimentada através de embates, impasses entre o mais forte e o mais fraco, o certo e o errado, o aceitável e o inaceitável. Esse maniqueísmo, em parte, foi positivo, pois criou os limites entre o bem e o mal, afastando do convívio social alguns riscos nocivos à vida. No entanto, outros foram agressivamente prejudiciais para as relações humanas, uma vez que tinham como pilar o preconceito e a discriminação do diferente, geralmente pautado em argumentos fracos e historicamente antagônicos. A exemplo, pode-se mencionar o inflexível machismo preponderante em várias sociedades, sobretudo a brasileira. Símbolo da herança patriarcal, ser homem por aqui, dentro dos padrões do macho alfa, é sinônimo de governança. Imperialismo esse seguido à risca por súditos inconscientes que, precocemente aprenderam que ele manda e ela, passiva, obedece.
Essa diferenciação entre os gêneros acontece muito antes da concepção. Isto porque, muitos pais nutrem um desejo cultural de gerar filhos homens, varões, que irão perpetuar o legado patriarcal familiar. Tal conduta, sócio e historicamente conhecida, foi determinante para que o machismo reinasse até hoje na sociedade. Por causa dele, mulheres, homossexuais e qualquer outro grupo “afeminado” sofrem por não possuir a herança dominadora daquele grupo. Na verdade, é a semente da segregação sexual que é plantada no berço, determinando quem irá ser a caça e o caçador. Ou seja, ser do sexo masculino é sinônimo de controle, dominação, territorialismo e outras tiranias do gênero, enquanto o oposto recebe instantaneamente significados diferentes a esses.
Entre os vitimados, as mulheres são indubitavelmente as principais vítimas dessa cultura separatista. Segregadas aos trabalhos do lar, a “Amélia” do passado ainda encontra resistência para se firmar perante a sociedade onde o macho é o centro das atenções. Entre as múltiplas diferenciações estão àquelas ligadas a atmosfera trabalhista, das quais o sexo feminino ainda ganha valores inferiores ao oposto. Tal prerrogativa ocorre, mesmo com a ascensão delas no mercado de trabalho, porque muitos deles creem na incapacidade das mulheres, como se estas tivessem sido destinadas apenas aos serviços domésticos. Ou seja, qualquer transgressão a esse sistema significa ultrapassar uma fronteira intransponível, passível de retaliação pelos os que pensam dessa forma. Felizmente, essa mentalidade vem sendo mudada, mesmo que na força, por algumas que não se deixam intimidar por tais visões.
Por outro lado, deve-se pontuar também a questão do gênero enquanto apelo sexual. O menino aprende desde cedo que é o caçador, hábil e viril, e as meninas são as suas incontáveis presas. Determinados a cumprir o destino que lhes foi designado, muito garotos crescem com essa postura, da qual a garota deve sensualizar para ele, servir de objeto sexual a ser facilmente consumida quando ele bem desejar. Sabendo disso, a cultura midiática tratou rapidamente de potencializar essa visão através dos comerciais de bebidas, filmes, novelas, seriados, entre tantos outros dos quais a mulher está no segundo, terceiro, no finalíssimo plano. E não é difícil de encontrar jovens ou maduras mulheres que se renderam a essa prática predatória. Inconscientemente, muitas delas se deixam levar por esses estamentos, já que foram educadas por essa redoma e, por isso, não conseguem encontrar os subsídios para fugir dela. Quando encontram, porém, são tachadas de assexuadas, feministas, lésbicas, revoltadas, apenas por discordar desse sistema onde o mais forte, os homens, sempre devem vencer.
Nesse nicho desumano, outro fator acabou sendo prejudicado: a sexualidade da mulher. Por perder a autonomia do próprio corpo, ao longo da história, ela se acostumou a ser o “sexo frágil”, “a costela de Adão”. A parte e nunca o todo, naqueles sentidos. Essas desvantagens corroboraram na tardia sexualidade feminina, a qual só deu os primeiros passos em meados do século XX, com o BOOM da minissaia e do biquíni. Mesmo assim, ainda hoje, questões ligadas ao aborto, fecundação, separação, traição, soam como verdadeiros estigmas para aquelas que ousarem transgredir o já estabelecido mundo masculino. É por essa razão que o senso comum penitencia as mulheres que abortam; que não desejam ter filhos; que se casam e se separam quando acham convenientes; e que traem seus companheiros por diversas razões. Todos esses feitos, também realizados pelos homens, só são criminalizados entre as mulheres por causa dessa cultura que inferioriza um gênero e enaltece outro, como se a genitália fosse o determinante para a construção do caráter humano.
Porém, isso não se limitou apenas as fêmeas. A homossexualidade também sofre a duras penas o dissabor dessa sociedade centrada no macho. Isto porque, aprende-se desde cedo que há uma anormalidade entre os indivíduos que sentem desejos por pessoas do mesmo sexo. Eles, os gays, são vistos como a deformação do macho ideal, bruto, grosso, viril e truculento. Aquele que coça o saco, chama palavrão, torce fanaticamente por algum time de futebol e, se possível, ainda bate na companheira para sustentar a sua masculinidade perante a sociedade. Logo, a homossexualidade aparece neste contexto como um defeito de fábrica, uma afronta ao imperialismo que o homem vem historicamente perpetuando. Na verdade, os gays são tudo aquilo que a virilidade masculina tentou afastar da sua personalidade: eles são femininos. Ou seja, a homossexualidade não é aceita também, porque se remete ao universo mulheril, este considerado inferior, frágil e submisso.
E, engana-se quem pensa que a semente do machismo deixou de ser plantada. Ela vigora nos terrenos vertiginosos das famílias mais conservadoras, onde a herança patriarcal se mantém viva em discursos dos quais os meninas são ensaiadas a serem donas de casa, nas fadadas brincadeiras de bonecas. Também ganha espaço em algumas religiões e nos seus respectivos posicionamentos, que subestimam as mulheres, inferiorizando-as muitas vezes. Tudo isso numa sociedade onde a genitália determina quem ganha e quem perde. É meio controverso pensar que isso ainda aconteça, sobretudo numa era ditada pela efemeridade das relações humanas e pelo desapego que muitos nutrem sobre o próprio corpo. No entanto, quando a questão se refere a domínio, as nomenclaturas macho e fêmea surgem exatamente nesta ordem alfabética, para deixar claro a secundarização feminina perante o homem, a sociedade e até ela mesma.
Percebe-se, portanto, que as problemáticas em torno da imposição de gênero estão ligadas a questões meramente culturais. Não há, nem nunca houve sexo inferior ou superior. O que há é uma ditadura ridícula que tenta desumanizar o outro baseado apenas nas suas genitálias. Enquanto não se percebe isso, homens e mulheres vão repassando, conscientes ou não, esse perigoso legado para outras gerações, dificultando o extermínio de tais pensamentos. É por isso que o machismo ainda ganha força na sociedade, porque ele brota no berço, logo nas primeiras horas de vida de meninos e meninas. É como se o destino de ambos os sexo estivesse traçados para cumprir distintos caminhos: ele, ser forte, hétero, dominador, garanhão e bem sucedido. Ela, porém, ser frágil, meiga, feminina, dominada, recatada e se possível uma excelente dona de casa. Para desconstruir isso, basta a sociedade entender que entre homem e mulher só existe uma semelhança: a humanidade. E esta deve ser irrevogavelmente respeitada. Ou seja, independente de sexo, o que deve prevalecer é, antes de tudo, o ser humano.
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