Desde pequeno, aprendi que existem pessoas boas e más. Nesse aprendizado, aprendi também que a maldade pode ser algo inerente ao ser humano, ou condicionado pelas circunstâncias, estas geralmente ligadas a questões sociais. Disso resulta na marginalização daqueles que burlam o sistema, as leis, as regras: os conhecidos bandidos. Os mesmos que assaltam por prazer ou para sobreviver, seja o João ninguém da periferia, seja o engravatado que ganhou o direito de furtar dinheiro público através do voto. Seja como for, nunca pensei que a sexualidade humana seria um dia classificada como bandida, por mais “transgressora” que ela ainda possa parecer para alguns. Mas, para minha surpresa, descobri no discurso do pastor Silas Malafaia que ser homossexual é igualitariamente ser bandido e isso me fez ver que de fato todos os homossexuais vivem de forma bandoleira, porém, numa acepção diferente da defendida por esse indivíduo, que se diz emissário das palavras divinas.
A bandidagem gay começa desde cedo, quando se aprende na marra, logo na infância, que só existem meninos e meninas, cada um com seus respectivos papéis imutáveis na cadeia social. Por causa dessa educação estratificada, muitas delas acabam se tornando verdadeiros bandidos. Algumas vão subverter esse sistema e se tornar os periculosos homossexuais, seres demoníacos que vão acabar com a procriação da terra, eliminando, assim, as futuras gerações, (é o que dizem os fanáticos fundamentalistas). Ou os que vão se tornar os futuros homofóbicos, ou seja, indivíduos doentes, vítimas de uma educação conturbada no tocante as questões sexuais. Em ambos os casos há a marginalização da sexualidade e a formação de seres frustrados quanto a ela. É por isso que o debate em torno da homossexualidade é tão intenso, porque não são opiniões diferentes que são expostas, mas a deflagração de uma lacuna de base, algo que foi usurpado de muitos jovens na sua tenra idade e que hoje se manifesta na forma de preconceito e violência.
Então, para viver nessa sociedade onde a ignorância impera e a discriminação domina é preciso ser bandido, e é o que os gays acabaram se tornando forçosamente. Eles vivem em guetos, acuados, os trancafiados em armários, escondendo a própria sexualidade, pois aprenderam desde sempre que são anormais, que são pecadores, que são antinaturais, que propagam doenças, que são o mal do mundo, etc. Como todo ladrão, os gays também andam em bandos arquitetando planos mirabolantes, não para assaltar bancos, roubar o dinheiro público, ou usar da fé alheia como trampolim para o enriquecimento próprio. Pelo contrário, o que os homossexuais planejam é roubar a discriminação e o preconceito das mentes das pessoas, para que elas possam enxergar a vida de forma plural, respeitando ao máximo todas as “diferenças” que insistem em dividir os seres humanos em subgrupos superiores e inferiores.
Eles, os gays, são bandidos, agrupam-se em quadrilhas e confabulam sequestros relâmpagos, mas diferente dos verdadeiros marginais, que sequestram vítimas para usurpar o dinheiro de suas famílias, os homossexuais preferem sequestrar outros indivíduos. Entre suas vítimas estão os loucos, os fanáticos, os fundamentalistas, os ignorantes, os preconceituosos, ou seja, todas as pessoas carentes de informação ou de tratamento psicológico emergencial. No entanto, na prática quem acaba sendo sequestrado por este grupo são os próprios homossexuais, visto que a sociedade prefere dar voz e vez à insanidade de alguns discursos, como o do profético Malafaia, ao invés de aprisionar os verdadeiros bandidos que estão por ai à solta arrebatando almas e carteiras, este último exponencialmente.
Por essa razão muitos homossexuais resolvem roubar, isso mesmo, roubar. Eles lutam para roubar a liberdade que lhes é retirada todos os dias, os direitos que lhe são negados, o respeito que lhes é furtado e a dignidade que há muito tempo anda esquecida. Eles, então, se organizam e criam verdadeiros exércitos para combater a neoinquisição religiosa, que está mais próxima do que se imagina. Entretanto, curar as feridas deixadas pelos dogmas religiosos vai ser uma tarefa extremamente delicada, a qual durará muitos anos, quiçá séculos, com direito a muitas perdas no caminho. Isso pode ser percebido no discurso do pastor Malafaia, visto que a comparação entre os homossexuais e os bandidos, feita por ele, só demonstra que ele está se armando para uma verdadeira batalha de sangue contra a camada LGBT.
As palavras desse senhor incitam o ódio, a intolerância e o desrespeito contra os homossexuais, os quais se tornaram uma verdadeira obsessão em sues discursos. O preocupante disso é que ele, por ser alguém público, exerce uma influência sem precedentes nas mentes de seus seguidores, e dos não seguidores também, pessoas geralmente hipnotizadas com a ideia da salvação e de uma vida marchada para a conversão dos “pecadores”. Ora, não gosto de confrontar a visão bíblica da coisa, pois sempre respeitei os dogmas das religiões, mesmo não fazendo parte de nenhuma delas. Mas, muito me inquieta saber o conceito de pecado nutrido, tanto por este pastor quando pelos indivíduos, que seguem seus ensinamentos. É evidente que se existir um pecado maior, este não foi cometido pelos homossexuais, uma vez que as pessoas que se utilizam da fé alheia para disseminar a violência contra as minorias estão cometendo algo abominável que é desvirtuar a palavra divina, para benefício próprio.
Enquanto isso, os verdadeiros criminosos, os indivíduos maus, de índole duvidosa, perambulam livremente pela sociedade cometendo seus crimes contra os direitos humanos sem sofrer nenhuma punição. Dentre eles, estão muitos pastores que são frequentemente denunciados por enriquecimento ilícito, charlatanismo, e outras atrocidades cometidas contra a fé do povo. Este que vive iludido sob falsas promessas de salvação que nunca chegam, pois o paraíso destinado aos justos, este tal espaço divino, não precisa de atravessadores para salvaguardar a vida pós-morte. Pelo contrário, o que é preciso para garantir um fim tranquilo é realizar coisas benfazejas aqui na terra, semeando o bem e acolhendo o nosso semelhante, mesmo que ele não seja o ideal de pessoa que desejamos para nossas vidas.
O espetáculo do preconceito protagonizado pelo pastor Silas Malafaia e suas declarações desumanas não merece nenhum aplauso da nossa parte e deve ser rapidamente retirado de qualquer cartaz, pois sua arte religiosa é grotesca e de indiscutível mau gosto. Pessoas como ele é que, de fato, são periculosas, pois sabem usar a palavra como verdadeiras armas de guerra, similares as que Hitler utilizou para dizimar milhões. Portanto, se não temos discernimento suficiente para compreender quem são os verdadeiros bandidos, continuaremos a mercê de pessoas corruptas, que usam a esperança da população como meros soldados de guerra, enquanto os verdadeiros criminosos assistem protegidos seus iguais se digladiarem por mero capricho ou obsessão.
Acredito na liberdade de expressão, desde que ela possibilite o crescimento intelectual dos expectadores, e não a alienação destes. O que o tal pastor vem fazendo é ofender a camada LGBT de forma deliberada, buscando aliados perigosos, os fieis, pessoas fáceis de serem ludibriadas, pois são guiadas, muitas vezes, pelas palavras dos pastores, pelos luxuosos tempos, menos pela palavra divina. Por isso, mais uma vez reitero que ninguém é obrigado a aceitar a homossexualidade, mas nem por isso pessoas como o Malafaia, ou qualquer outra, tem o direito de rechaçar o comportamento gay, como se estes fossem inferiores aos outros seres humanos. Se há algum crime cometido pelos homossexuais/bandidos, classificados pelo pastor, os únicos que posso atribuir são o respeito à vida, a tolerância às diferenças, a coragem de subverter esse sistema sexual hipócrita, a dignidade de querer ser o que é sem medo de ser feliz, a liberdade de amar a si e ao próximo, dentre tantos outros sentimentos esquecidos por essa sociedade excludente que vivemos.
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